sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Dois poemas do poeta palestino Mahmoud Darwish


Carteira de identidade

Toma nota!
Sou árabe.
Número da identidade: 50 mil
Número de filhos: oito
E o nono... já chega depois do verão.
E vais te irritar por isso?

Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira
Com meus companheiros de dor
Pra meus oito filhos
O pedaço de pão
As roupas e os livros
Arranco da rocha...
Não mendigo esmolas à tua porta,
Nem me rebaixo
No portão do teu palácio
E vais te irritar por isso?

A terra nos é estreita

A terra nos é estreita. Ela nos encurrala no último desfiladeiro
E nós nos despimos dos membros
Para passar.
A terra nos espreme. Fôssemos nós o seu trigo para morrer e ressuscitar.
Fosse ela a nossa mãe para se compadecer de nós.
Fôssemos nós as imagens dos rochedos
que o nosso sonho levará como espelhos.
Vimos o rosto de quem, na derradeira defesa da alma,
o último de nós matará.
Choramos pela festa dos seus filhos e vimos o rosto
Dos que despenham nossos filhos pela janela deste último espaço.
Espelhos que a nossa estrela polirá.
Para onde irmos após a última fronteira?
Para onde voarão os pássaros após o último céu?
Onde dormirão as plantas após o último vento?
Escreveremos nossos nomes com vapor
carmim, cortaremos a mão do canto para que nossa carne o complete.
Aqui morreremos. No último desfiladeiro.
Aqui ou aqui... plantará oliveiras
Nosso sangue.

(Poema de Mahmoud Darwish, traduzido por Paulo Farah)

O poeta palestino Mahmoud Darwish é considerado um dos mais representativos poetas de língua árabe do século XX e até há pouco tempo quase desconhecido no Brasil. O nome do poeta vem sendo ouvido com mais frequência nos últimos anos, devido ao crescimento dos movimentos de solidariedade à causa palestina e do interesse pela literatura, artes e pensamento desse povo milenar.
Mahmoud Darwish nasceu em 1942 na aldeia palestina de Birwa, nos arredores de Akka (Acre), situada próxima à costa mediterrânea. Quando o poeta tinha apenas seis anos de idade, a aldeia em que vivia com os seus pais foi totalmente destruída pelos sionistas, assim como 400 outras aldeias palestinas, durante a operação de “limpeza étnica” que ficou conhecida como Nakba (“catástrofe”, em árabe), que levou cerca de 750 mil palestinos para o exílio. Sobre este trágico acontecimento, escreveu o poeta, “Eu me recordo muito bem... Enquanto nós dormíamos, conforme a tradição nos vilarejos, no telhado da casa... Os tiros que atingiam uma aldeia pacífica, Birwa, naquela noite de verão de 1948, não poupavam ninguém. Eu me vi (no dia em que completava seis anos) caçado até o olival, escalando aquela montanha íngreme, por vezes rastejando. Depois de uma longa noite de sangue, terror e sede, cheguei a uma aldeia estrangeira com crianças desconhecidas, eu perguntei: ‘Onde estou?’ E pela primeira vez ouvi a palavra ‘Líbano’”.
Em 1950, a família de Darwish retornou clandestinamente à Palestina, que agora se chamava Estado de Israel, e estabeleceu-se numa aldeia próxima a Dayr Al’Asad, onde o garoto realizou os seus estudos, chamando a atenção das autoridades por seus primeiros poemas, que já abordavam a questão da identidade árabe. Por causa de um desses poemas, que ele recitou em sala de aula numa celebração em homenagem à criação do estado sionista, Darwish foi repreendido pelo governador militar, que em represália ordenou a demissão do pai daquele jovem que ousava contestar a “história oficial” israelense. Já na adolescência, Mahmoud Darwish continuou a escrever poemas e a escrever artigos para a sucursal árabe do jornal do Partido Comunista Israelense, Alittihad (A União). Na década de 1960 filiou-se ao Partido e tornou-se um dos editores do jornal Aljadid. A poesia e o envolvimento político de Darwish foram uma fonte contínua de conflito com as autoridades. Em 1962, ele foi acusado de incitamento à revolução por recitar um poema sobre Gaza em um festival de poesia. Nos anos seguintes, foi preso diversas vezes. Poesia e revolução caminhavam lado a lado para Mahmoud Darwish.

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