Dois poemas do poeta palestino Mahmoud Darwish
Carteira de identidade
Toma nota!
Sou árabe.
Número da identidade: 50 mil
Número de filhos: oito
E o nono... já chega depois do
verão.
E vais te irritar por isso?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira
Com meus companheiros de dor
Pra meus oito filhos
O pedaço de pão
As roupas e os livros
Arranco da rocha...
Não mendigo esmolas à tua porta,
Nem me rebaixo
No portão do teu palácio
E vais te irritar por isso?
A terra nos é estreita
A terra nos é estreita. Ela nos
encurrala no último desfiladeiro
E nós nos despimos dos membros
Para passar.
A terra nos espreme. Fôssemos
nós o seu trigo para morrer e ressuscitar.
Fosse ela a nossa mãe para se
compadecer de nós.
Fôssemos nós as imagens dos
rochedos
que o nosso sonho levará como
espelhos.
Vimos o rosto de quem, na
derradeira defesa da alma,
o último de nós matará.
Choramos pela festa dos seus
filhos e vimos o rosto
Dos que despenham nossos filhos
pela janela deste último espaço.
Espelhos que a nossa estrela
polirá.
Para onde irmos após a última
fronteira?
Para onde voarão os pássaros
após o último céu?
Onde dormirão as plantas após o
último vento?
Escreveremos nossos nomes com
vapor
carmim, cortaremos a mão do
canto para que nossa carne o complete.
Aqui morreremos. No último
desfiladeiro.
Aqui ou aqui... plantará
oliveiras
Nosso sangue.
(Poema de Mahmoud Darwish, traduzido por Paulo Farah)
O poeta palestino Mahmoud Darwish é
considerado um dos mais representativos poetas de língua árabe do século XX e
até há pouco tempo quase desconhecido no Brasil. O nome do poeta vem sendo
ouvido com mais frequência nos últimos anos, devido ao crescimento dos
movimentos de solidariedade à causa palestina e do interesse pela literatura,
artes e pensamento desse povo milenar.
Mahmoud Darwish nasceu em 1942 na
aldeia palestina de Birwa, nos arredores de Akka (Acre), situada próxima à
costa mediterrânea. Quando o poeta tinha apenas seis anos de idade, a aldeia em
que vivia com os seus pais foi totalmente destruída pelos sionistas, assim como
400 outras aldeias palestinas, durante a operação de “limpeza étnica” que ficou
conhecida como Nakba (“catástrofe”, em árabe), que levou cerca de 750 mil
palestinos para o exílio. Sobre este trágico acontecimento, escreveu o poeta,
“Eu me recordo muito bem... Enquanto nós dormíamos, conforme a tradição nos
vilarejos, no telhado da casa... Os tiros que atingiam uma aldeia pacífica,
Birwa, naquela noite de verão de 1948, não poupavam ninguém. Eu me vi (no dia
em que completava seis anos) caçado até o olival, escalando aquela montanha
íngreme, por vezes rastejando. Depois de uma longa noite de sangue, terror e
sede, cheguei a uma aldeia estrangeira com crianças desconhecidas, eu
perguntei: ‘Onde estou?’ E pela primeira vez ouvi a palavra ‘Líbano’”.
Em 1950, a família de Darwish retornou clandestinamente à Palestina, que
agora se chamava Estado de Israel, e estabeleceu-se numa aldeia próxima a Dayr
Al’Asad, onde o garoto realizou os seus estudos, chamando a atenção das
autoridades por seus primeiros poemas, que já abordavam a questão da identidade
árabe. Por causa de um desses poemas, que ele recitou em sala de aula numa
celebração em homenagem à criação do estado sionista, Darwish foi repreendido
pelo governador militar, que em represália ordenou a demissão do pai daquele
jovem que ousava contestar a “história oficial” israelense. Já na adolescência,
Mahmoud Darwish continuou a escrever poemas e a escrever artigos para a
sucursal árabe do jornal do Partido Comunista Israelense, Alittihad (A
União). Na década de 1960 filiou-se ao Partido e tornou-se um dos editores do
jornal Aljadid. A poesia e o envolvimento político de Darwish foram uma
fonte contínua de conflito com as autoridades. Em 1962, ele foi acusado de
incitamento à revolução por recitar um poema sobre Gaza em um festival de
poesia. Nos anos seguintes, foi preso diversas vezes. Poesia e revolução
caminhavam lado a lado para Mahmoud Darwish.
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