José & Pilar - O filme
"Um dia escrevi que tudo é autobiografia; que a vida
de cada um de nós estamos contando enquanto fazemos e dizemos; nos gestos, na
maneira como andamos e olhamos, como viramos a cabeça ou apanhamos um objeto no
chão. Queria eu dizer, então, que vivendo rodeado de sinais, nós próprios somos
um sistema de sinais. Seja como for, que os leitores se tranquilizem: este
Narciso que hoje se contempla na água, desfará, amanhã, com sua própria mão, a
imagem que o contempla". - José Saramago
Difícil dizer qual dos dois é mais lindo, José Saramago
ou sua companheira e fiel escudeira, a jornalista espanhola a jornalista Pilar
Del Río.
Miguel Gonçalves Mendes dirige o filme a partir da coleta
de 240 horas de material sobre o cotidiano de José e Pilar que, portanto, são os
próprios atores de seus personagens. O filme se desenvolve em torno da criação
e lançamento do livro "A Viagem do Elefante", de Saramago. Os quatro
anos de filmagens resultaram em um filme inicial com 6 horas de duração, das
quais Saramago pode assistir a uma versão com 3 horas, antes de morrer. A
edição do filme durou mais de um ano e meio. Para convencer o casal a filmar, o
diretor Miguel Gonçalves Mendes levou 6 meses. O resultado é um filme
surpreendente onde somos levados ao dinâmico e cultural universo de Saramago e
Pilar, nos deparando com um relacionamento belíssimo de dois seres que fazem
jus ao adjetivo "humanos". Saramago, o comunista ateu que quando o
vestiam com roupa de marca, pedia que arrancassem com a tesoura a etiqueta da
Armani, nos presenteia com passagens belíssimas de sua vida, já perto dos 84
anos de idade, sempre ativa e produtiva.
Destaque para suas declarações sobre religião, após a
leitura de um trecho de seu livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo",
onde Jesus clama, sobre seu pai "Homens, perdoai-lhe, por que ele não sabe
o que faz": "É uma aldrabice, pá, uma aldrabice completa... Eu fui
uma ou duas vezes à missa, quando tinha 6 anos, mas eu não... Enfim, aquilo não
me convenceu nada, pá. E fui eu quem disse a minha mãe: 'não, eu não vou a
isso...' E não fui... E Nunca mais... E não tive nenhuma crise religiosa, e não
tenho medo da morte, não tenho medo inferno, não tenho medo, digamos, do
castigo eterno pelos pecados... Que pecados? Pecados? O que é isso, o pecado,
pá? Quem é que inventou o pecado? A partir do momento em que se inventa o
pecado, o inventor passa a dispor de um instrumento de domínio sobre o outro,
tremendo! E foi o que a igreja fez, e já não faz tanto, porque, coitados, já
não têm nem metade do poder que tinham, é mais uma farsa, mais uma farsa
trágica... Deus... Onde está? Antigamente, dizia-se: 'está no céu'. Mas, o céu
não existe! Não há céu! Não há céu! O que é isso, pá, céu? Há o espaço. Há 13
mil milhões de anos-luz. Imagina, pá...
Os limites do universo se encontram há 13 mil e 700
milhões de anos-luz... Anos-luz! Onde está deus? Quem quiser crer, creia e
acabou-se! Eu digo em alto e bom som, que não, enfim, para mim, não. E repara
que com 83 anos já seria uma boa altura para começar a pensar no futuro, quer
dizer, uma pessoa, durante a vida, pode fazer umas quantas tonterias, dizer
umas quantas barbaridades a respeito do senhor deus, mas quando chega aos 83
tem de, deveria começara a ter um bocadinho de cuidado com o que diz. Mas isso
não muda nada a realidade. A realidade continua a ser igual a de sempre:
nascer, viver e morrer, e acabou. Mais nada. Que isso não aconteça. Espero
morrer lúcido e de olhos abertos. Pelo menos gostaria, que fosse assim".
A força e o caráter de Pilar, se refletem bem no trecho
do filme em que ela declara: "A mim o que me parece é que a razão tem que
prevalecer sobre a vontade. Isso parece o que há de mais frio e o que há de
mais forte que se pode dizer, mas creio que somos racionais, e temos a
obrigação de ser racionais e de não nos deixar levar, jamais, pelo instinto. Ou
seja, recuso-me, recuso-me a chorar e a ficar insatisfeita e deprimida.
"Ah, mas é que a depressão existe..." Sim, pois sim, mas tomamos uns
comprimidos e vamos trabalhar, ponto! Sou a favor dos fármacos. Ouve, uma vida
inteira sofrendo com dores quando há a Medicina, que nos ajuda, e vêm agora uns
quantos gurus dizer: "Não... É que fazem mal!" Não, o que faz mal é
passar mal! É preciso desdramatizar! Sobretudo nós, os privilegiados... Eu não
posso estar e não posso me dar ao luxo de estar desesperada, nem sem esperança,
nem triste, porque tenho tudo, e mais, tenho, inclusive, a força para combater,
o que é o maior privilégio!"
Para ver o documentário clique aqui
0 comentários:
Postar um comentário