As lutas pela memória de Eusébio
Adeptos à espera da chegada do caixão de Eusébio REUTERS/RAFAEL MARCHANTE
A nacionalização de Eusébio é, desde logo, uma matéria tensa. Eusébio faz parte de uma narrativa nacional portuguesa imperial e pós-imperial. Esta, vista por muitos como um encontro cultural, foi, na verdade, e apesar de uma inegável história em comum, erguida pela violência, pela exploração e por relações de poder radicalmente desiguais. Tudo questões de índole pouco comemorativa que não interessam à moderna diplomacia económica, legitimada por uma ideia de lusofonia global mais preocupada com os negócios do que com a vida das populações.
Acrescenta-se ainda o facto de Eusébio ser também disputado por outra comunidade, não definida nacionalmente, que é a dos adeptos do clube que representou e em relação aos quais, na verdade, é mais adequado enquadrar a sua actividade enquanto futebolista. Por esta razão, a “nacionalização” de Eusébio tem um lado de usurpação em relação às condições em que despertou o seu génio, relacionadas com a comunidade do seu clube e, noutra dimensão, com a comunidade de adeptos de futebol, que excedem em muito as fronteiras do estado nacional e que criou partilhas próprias guiadas por uma paixão e um interesse comuns. Foram as redes internacionais da cultura de massas que tornaram Eusébio tão grande, como salta à vista na impressionante cobertura internacional da sua morte. Os interesses nacionais reagiram, assim, a um processo que não criaram mas do qual tentaram rapidamente beneficiar. Aconteceu durante a década de 60, nos tempos do luso-tropicalismo salazarista, e volta a acontecer agora.
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