"Café Santa Cruz" - Manuel de Freitas
Café Santa Cruz
Se queres ver os tritões
— ou, se preferires, as sereias —
nos três vitrais da entrada,
deves chegar a meio da tarde
e obrigar-te a não ter pressa.
Em Coimbra morre-se devagar. É bom.
Conheci poucos lugares onde
reinasse assim o esplendor do incomum.
Cada mesa tão diferente da outra:
um pintor rústico que faz dos dedos
pincéis, dois namorados que já saíram,
com a pressa física do amor,
o velho reformado que lê pela décima vez
o jornal da véspera — ou ainda o que
registra envergonhado estes versos.
Desiguais abismos, maneiras de se
estar só, encontram aqui um abrigo
temporário, senão a própria rasura do tempo.
Pouco importa. Abandona-te, finalmente,
ao sortilégio mudo de sereias
ou tritões. É tudo o que precisas.
Uma música feliz perde-se na tarde
e as lágrimas, afinal, são uma espécie de sorriso.
Manuel
de Freitas
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