terça-feira, 23 de abril de 2024

"Café Santa Cruz" - Manuel de Freitas




Café Santa Cruz




Se queres ver os tritões


— ou, se preferires, as sereias —


nos três vitrais da entrada,


deves chegar a meio da tarde


e obrigar-te a não ter pressa.


Em Coimbra morre-se devagar. É bom.



Conheci poucos lugares onde


reinasse assim o esplendor do incomum.


Cada mesa tão diferente da outra:


um pintor rústico que faz dos dedos


pincéis, dois namorados que já saíram,


com a pressa física do amor,


o velho reformado que lê pela décima vez


o jornal da véspera — ou ainda o que


registra envergonhado estes versos.


Desiguais abismos, maneiras de se


estar só, encontram aqui um abrigo


temporário, senão a própria rasura do tempo.



Pouco importa. Abandona-te, finalmente,


ao sortilégio mudo de sereias


ou tritões. É tudo o que precisas.


Uma música feliz perde-se na tarde


e as lágrimas, afinal, são uma espécie de sorriso.



Manuel de Freitas



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