sexta-feira, 26 de abril de 2024

"Aquela cativa" - Luís de Camões






Aquela cativa

 




Aquela cativa


que me tem cativo,


porque nela vivo


já não quer que viva.


Eu nunca vi rosa


em suaves molhos,


que pera meus olhos


fosse mais fermosa.



 

Nem no campo flores,


nem no céu estrelas


me parecem belas


como os meus amores.


Rosto singular,


olhos sossegados,


pretos e cansados,


mas não de matar.



 

Uma graça viva,


que neles lhe mora,


pera ser senhora


de quem é cativa.


Pretos os cabelos,


onde o povo vão


perde opinião


que os louros são belos.



 

Pretidão de Amor,


tão doce a figura,


que a neve lhe jura


que trocara a cor.


Leda mansidão,


que o siso acompanha;


bem parece estranha,


mas bárbara não.



 

Presença serena


que a tormenta amansa;


nela, enfim, descansa


toda a minha pena.


Esta é a cativa


que me tem cativo.


E pois nela vivo,


é força que viva.



 

Luís de Camões



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