terça-feira, 30 de abril de 2024

"Café Tropical" - Manuel de Freitas

 



Café Tropical




para o João Miguei Fernandes Jorge




Chegara, dessa vez, mais cedo à praça


da República. O café estava


inusitadamente cheio e houve palavras


de derrota a acompanharem


a primeira cerveja da tarde. Nem


sequer abriu o livro que trazia na mala:


uma edição mexicana, comprada


junto ao mar, de 
El Hombre y ia Divino.



Atrasou-se cinco minutos,


o seu amigo. Mas tudo lhe perdoou:


o atraso, os poemas, o implacável


desafio que em breve o conduziria


às piores memórias que não tinha.


Frente a frente, liam cartas


um do outro — e até nisso estavam juntos.



O susto, verdadeiro, deu-se quando


lhe pediu, sem réplica, poemas


sobre a cidade onde fugiram ambos


da embriaguez da juventude:


tabernas e corpos, diferentes maneiras


de nos ser devolvida a única


pergunta necessária — e a mais inútil.



Brincamos, somente, com os castelos


da morte. Talvez me bastasse


ter-lhe respondido que nunca escrevi


sobre nada; limito-me a anunciar


que vou morrer, com razoável certeza.


Mas foi isso, justamente,


o que não me ocorreu na altura.


Pedi outra cerveja, consegui pagar a conta.



E Coimbra, desta vez, anoitecia


mais devagar. Como se não fosse ainda


uma despedida, à entrada do Jardim


da Sereia que para nenhum de nós cantou.



Manuel de Freitas




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