Novo livro de poesia "Nas sílabas do vento" de José de Sousa Miguel Lopes
Decifrador de mensagens, retalho da voz,
o búzio me espera na espuma da praia.
Que notícias das rochas e corais,
das ondas persistentes em sintonia
com os voos rasantes das gaivotas?
Peço-lhe para desvelar o meu amor distante
no imperturbável e infinito azul.
A resposta é um perturbador silêncio.
No entanto sei que estás esperando
por trás da janela do infinito.
José de Sousa Miguel Lopes
* Um dos
poemas constantes do livro
Prefácio
O livro de poesia Nas sílabas do vento, de José de
Sousa Miguel Lopes, divide se em três momentos, cujos títulos são:
“Cartografias Marítimas”, “Filigranas Amorosas” e “Relâmpagos
Poéticos-Políticos”. Alguns temas são recorrentes em sua escrita lírica,
assumindo sentidos metafóricos importantes, visto que sinalizam significados
referentes a reminiscências e a emoções relacionadas às vivências do autor:
mar, búzios, barco, vento, tempo, desejo, amor, entre outros.
Em “Cartografias Marítimas”, o eu lírico se mistura ao mar, à
imaginação criadora. Empreende uma travessia da memória, navegando por entre
espumas, na ternura, no azul. Nas dobras do tempo, nos sonhos do literário,
correntes submarinas de palavras poéticas percorrem caminhos de lembranças e
afetos em busca da amada. Nos mapas da vida, das experiências vividas, o poeta
atravessa horizontes nas portas da noite e se reconhece um ser de amor.
Com as velas hasteadas pela brisa marítima do Índico
o veleiro conduzido pelo poeta
enfrenta o movimento suave das ondas
transportando o desejo irreprimível de fazer emergir o poema
que atormenta, de modo insistente, sua mente sonhadora.
Viajemos com ele e deixemo-nos embalar pelo musical
pio das gaivotas nos seus voos rasantes
parecendo querer compartilhar a desafiadora aventura.
(LOPES, 2023, p.25)
Em “Filigranas Amorosas”, inúmeros poemas são de paixão e afeto.
Poesia cheia de beleza, de amor, de ressonâncias de coisas do mundo. O poeta
transita por silêncios, pela noite, por madrugadas prenhes de perfumes. São
poemas sobre o corpo, aprendizagens por meio de olhares que investigam
partilhas, vigílias amorosas em deslocamentos por cidades como Paris, Maputo,
Santorini: viagens à procura de novos amanheceres. A escrita filigranada desse
momento poético permeia os corpos dos poemas, aprimorando o ritmo dos versos, o
labor estético, as metáforas do amor.
O amor
é carne!
O amor
é sangue!
O amor
é fogo!
O amor
é corpo
E é
seiva
E é
vida!
(LOPES,
2023, p.128)
Em “Relâmpagos Poéticos-Políticos”, última parte do livro, os
poemas apresentam a trajetória de um poeta comprometido com o social e com
problemas da vida cotidiana. O sujeito poético denuncia questões como a
branquitude, apontando-a como um dos males do sistema político brasileiro.
Ressalta a importância da valorização das diversidades, ou seja, das
identidades múltiplas, e enfatiza o hibridismo cultural existente tanto no
Brasil, como em Moçambique.
Estamos agora num tempo em que
o Estado, a Nação, o Território,
a Paisagem, a Identidade e outras
designações postas em maiúsculas,
não correspondem a nenhuma representação
ou realidade estável e consensual.
Vivemos tempos de identidades múltiplas,
criação rápida de referentes globais,
pluralismo, metamorfoses tecnológicas,
rupturas velozes e drásticas,
dissipações e simultaneidade de contrários.
(LOPES, 2023, p. 141)
Muitas das
composições poéticas desse terceiro momento mergulham em um silêncio
planetário, com inúmeras angústias acerca do amanhã do mundo. Falam sobre Belo
Horizonte, urbe amada do poeta que faz dessa uma cidade casulo, espaço sagrado
de sua poesia. O eu lírico persegue uma escrita livre de amarras, que tenha uma
voz literária própria como a de poetas ousados capazes de exercitarem suas
cidades de palavras, suas cidades das letras. Assim como Angel Rama, em sua
obra, problematiza a América Latina, discutindo contradições e paradoxos
existentes em países latino-americanos, Miguel Lopes assinala contrassensos nas
sociedades brasileira e moçambicana. No livro Nas sílabas do vento,
as cidades são vistas como sonhos da imaginação a almejarem transformações,
lutas e vão crescendo por intermédio de palavras que põem em diálogo letras
sonhadas e realidade imaginada. Desse modo, para o poeta, escrever poesia
é como uma estratégia de poder trabalhar com emoções e afetos, memórias e
paixões. Para ele, poesia é espalhar sílabas ao vento, é soltar palavras pelo
mundo, especialmente pelo trajeto Sul/Sul.
O poeta veio de Moçambique para o Brasil. Partiu do Índico,
cruzou o Atlântico e fixou sua vida e seu tempo em Minas Gerais. Naufrágios,
espantos, sonhos e silêncios deságuam num universo literário cheio de nós, mas
também de individualidades, de eus que afirmam suas subjetividades, sem se
esquecerem, entretanto, dos patrimônios coletivos guardados na memória das
experiências vividas.
O Índico na poesia de Miguel Lopes é uma metáfora líquida que
flui no ritmo das lembranças do mar da infância e da juventude, nas saudades
intensas da amada distante. A escrita poética do autor torna-se, então, uma
espécie de redenção. Transforma-se num vento de sílabas que espalham
sentimentos, palavras, afetos, lembranças. Desse modo, converte sua poesia numa
aventura onírica, conversa com o búzio, “barco de desejos e reencontros”.
Dois outros temas também são muito frequentes na poesia do
autor: sombras e brumas. Elas são metáforas que emergem do inconsciente do
poeta, simbolizando nevoeiros que sombreiam e assombram memórias. Em seus mapas
poéticos, o eu lírico delineia o existir humano muitas vezes ancorado em dores
pessoais e em sofrimentos sociais. Como uma onda, ele flutua entre a busca de
encontros e o esquecimento de antigos desencontros vividos. O Índico torna-se
memória esmaecida nas sombras das lembranças. É oceano amado, cantado por
tantos poetas de Moçambique. É música distante, que o poeta ouve longe e já
quase não mais escuta, perdendo-se, por isso, no indiferenciado.
Os poemas do autor são como uma escultura de lembranças, de
reminiscências a afligirem seu criador, um escultor de emoções e recordações
que empurram e alimentam sua vida, enquanto fazem parte dela. Poesia, água,
fogo, pele despojada e entregue ao itinerário da vida. Mistérios e sombras por
onde anda o poeta. Saudades do Índico, decifrando, cotidianamente, o local onde
vive: Belo Horizonte.
A poesia de José Miguel Lopes é um corpo a iluminar vertigens,
prazeres, sentimentos tristes, melancolia, desejos, ausências e presenças. É
poesia-tempo, vento a fustigar novos sentidos, novos olhares, novos saberes. Nas
sílabas do vento é uma ode à mulher amada, à vida, às palavras que
fazem do mundo possibilidades de criação e amor. Como diz o eu lírico em
“Filigranas Amorosas”, “apenas a poesia, só ela em toda a sua beleza faz
ressonância com o mundo”.
Ave, poeta! Que muitos leiam este livro e desfrutem do sabor e
dos encantos de seus versos!
Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2023
Carmen Lucia Tindó Secco*
*É considerada uma das maiores,
senão a maior, especialista brasileira na área das Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa, área do conhecimento na qual trabalha há três décadas.
Professora Titular de Literaturas Africanas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), é graduada em Português-Literaturas pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) (1970), mestrado em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) (1976) e doutorado pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1992) e pós-doutorado na
Universidade Federal Fluminense (UFF) e em Moçambique, na Universidade
Politécnica de Moçambique (2009-2010). Atualmente é cientista da Fundação
Carlos Chagas, de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ (Faperj), pesquisadora
colaboradora da Universidade de Lisboa, 2ª vice-presidente (gestão 2016-2019)
da Associação Internacional de Estudos Literários e Culturais Africanos,
pesquisadora PQ - nível 1 B do CNPq, consultora ad hoc do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq). Tem experiência na área de
Letras, com ênfase em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Realiza
pesquisas voltadas para as relações entre a cultura e as literaturas africanas
de língua portuguesa, com especial interesse pela poesia de Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, bem como pelas relações entre
cinema, literatura, afeto e pintura. É pesquisadora colaboradora da
Universidade de Lisboa, membro da Comissão de Honra da Fundação Fernando Leite
Couto, em Moçambique, e membro correspondente da Academia Angolana de Letras.
De suas inúmeras publicações, destacam-se A magia das letras africanas,
com terceira edição, revista e ampliada em 2021, Afeto & poesia. Ensaios
e entrevistas: Angola e Moçambique, de 2014, e Pensando o cinema
moçambicano (2018) e CineGrafias moçambicanas: memórias & crônicas
& ensaios (2019).
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trecho da Apresentação
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Outros livros do autor:
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- Editora EDUC - Cultura acústica e letramento em Moçambique: Em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural
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9 comentários:
O pulsar da vida na misteriosa essência lírica do sonho, assente na realidade mágica do viver em sintonia consigo e o mundo.
O espírito cresce em sensibilidade e delicadeza consciente e doce. Vale a pena ler.
Parabens Ze
O meu comentário fugiu sem que desse conta. Queria dizer parabéns Zé por mais esta rica obra.. Bj para vcs
Ze
Mais uma brilhante obra que nos ofereces
Tenho uma amiga que é poeta MILLY BARREIROS, quer um livro autografado, Portanto quando a Tonela vier que faça o favor
de trazer um volume para ela. Foi minha colega no Antônio Enes no ano lectivo de 66/67
Muito obrigado
Grande abraço
Eduardo
Que lindeza!!!!
Já tá na minha lista de leitura
Sucesso :)
Abs
Daniela Passos
Foi percebendo sua trajetória, a medida da lia cada linha. Meste, como sempre sua escrita, assim como o senhor, repletos de sabedoria e doçura. Parabéns! Quero o meu livro para apreciar todos os poemas. E claro, autografado .
Ana Souza
Professor Miguel, mais uma vez, estou encantada com tanta sensibilidade e doçura!
Parabéns pelo brilhantismo!!
Quero muito o meu exemplar autografado em breve.
Grande abraço!
Cida Domingues.
Zé
Sempre brilhante : concordo com o comentário do amigo comum o Eduardo Calane !(maputo).
Sempre Navegando e contribuindo nas fronteiras do Pensamento .
Abraço Amigo
Laxmi
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