quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Novo livro de poesia "Nas sílabas do vento" de José de Sousa Miguel Lopes



Conversa com o búzio*

 

Decifrador de mensagens, retalho da voz,


 

o búzio me espera na espuma da praia.


 

Que notícias das rochas e corais,


 

das ondas persistentes em sintonia

 

com os voos rasantes das gaivotas?


 

Peço-lhe para desvelar o meu amor distante


 

no imperturbável e infinito azul.


 

A resposta é um perturbador silêncio.


 

No entanto sei que estás esperando


 

por trás da janela do infinito.



 

José de Sousa Miguel Lopes



 

* Um dos poemas constantes do livro




Prefácio


 

O livro de poesia Nas sílabas do vento, de José de Sousa Miguel Lopes, divide se em três momentos, cujos títulos são: “Cartografias Marítimas”, “Filigranas Amorosas” e “Relâmpagos Poéticos-Políticos”. Alguns temas são recorrentes em sua escrita lírica, assumindo sentidos metafóricos importantes, visto que sinalizam significados referentes a reminiscências e a emoções relacionadas às vivências do autor: mar, búzios, barco, vento, tempo, desejo, amor, entre outros.



 

Em “Cartografias Marítimas”, o eu lírico se mistura ao mar, à imaginação criadora. Empreende uma travessia da memória, navegando por entre espumas, na ternura, no azul. Nas dobras do tempo, nos sonhos do literário, correntes submarinas de palavras poéticas percorrem caminhos de lembranças e afetos em busca da amada. Nos mapas da vida, das experiências vividas, o poeta atravessa horizontes nas portas da noite e se reconhece um ser de amor.



 

 

Com as velas hasteadas pela brisa marítima do Índico


 

o veleiro conduzido pelo poeta


 

enfrenta o movimento suave das ondas


 

transportando o desejo irreprimível de fazer emergir o poema


 

que atormenta, de modo insistente, sua mente sonhadora.


 

Viajemos com ele e deixemo-nos embalar pelo musical


 

pio das gaivotas nos seus voos rasantes


 

parecendo querer compartilhar a desafiadora aventura.


 

(LOPES, 2023, p.25)


 


Em “Filigranas Amorosas”, inúmeros poemas são de paixão e afeto. Poesia cheia de beleza, de amor, de ressonâncias de coisas do mundo. O poeta transita por silêncios, pela noite, por madrugadas prenhes de perfumes. São poemas sobre o corpo, aprendizagens por meio de olhares que investigam partilhas, vigílias amorosas em deslocamentos por cidades como Paris, Maputo, Santorini: viagens à procura de novos amanheceres. A escrita filigranada desse momento poético permeia os corpos dos poemas, aprimorando o ritmo dos versos, o labor estético, as metáforas do amor.



 

O amor é carne!


 

O amor é sangue!


 

O amor é fogo!


 

O amor é corpo


 

E é seiva


 

E é vida!


 

(LOPES, 2023, p.128)


 

 


Em “Relâmpagos Poéticos-Políticos”, última parte do livro, os poemas apresentam a trajetória de um poeta comprometido com o social e com problemas da vida cotidiana. O sujeito poético denuncia questões como a branquitude, apontando-a como um dos males do sistema político brasileiro. Ressalta a importância da valorização das diversidades, ou seja, das identidades múltiplas, e enfatiza o hibridismo cultural existente tanto no Brasil, como em Moçambique.



 

 

Estamos agora num tempo em que


 

o Estado, a Nação, o Território,


 

a Paisagem, a Identidade e outras


 

designações postas em maiúsculas,


 

não correspondem a nenhuma representação


 

ou realidade estável e consensual.


 

Vivemos tempos de identidades múltiplas,


 

criação rápida de referentes globais,


 

pluralismo, metamorfoses tecnológicas,


 

rupturas velozes e drásticas,


 

dissipações e simultaneidade de contrários.


 

(LOPES, 2023, p. 141)



 

 

Muitas das composições poéticas desse terceiro momento mergulham em um silêncio planetário, com inúmeras angústias acerca do amanhã do mundo. Falam sobre Belo Horizonte, urbe amada do poeta que faz dessa uma cidade casulo, espaço sagrado de sua poesia. O eu lírico persegue uma escrita livre de amarras, que tenha uma voz literária própria como a de poetas ousados capazes de exercitarem suas cidades de palavras, suas cidades das letras. Assim como Angel Rama, em sua obra, problematiza a América Latina, discutindo contradições e paradoxos existentes em países latino-americanos, Miguel Lopes assinala contrassensos nas sociedades brasileira e moçambicana. No livro Nas sílabas do vento, as cidades são vistas como sonhos da imaginação a almejarem transformações, lutas e vão crescendo por intermédio de palavras que põem em diálogo letras sonhadas e realidade imaginada.  Desse modo, para o poeta, escrever poesia é como uma estratégia de poder trabalhar com emoções e afetos, memórias e paixões. Para ele, poesia é espalhar sílabas ao vento, é soltar palavras pelo mundo, especialmente pelo trajeto Sul/Sul.



 

O poeta veio de Moçambique para o Brasil. Partiu do Índico, cruzou o Atlântico e fixou sua vida e seu tempo em Minas Gerais. Naufrágios, espantos, sonhos e silêncios deságuam num universo literário cheio de nós, mas também de individualidades, de eus que afirmam suas subjetividades, sem se esquecerem, entretanto, dos patrimônios coletivos guardados na memória das experiências vividas.



 

O Índico na poesia de Miguel Lopes é uma metáfora líquida que flui no ritmo das lembranças do mar da infância e da juventude, nas saudades intensas da amada distante. A escrita poética do autor torna-se, então, uma espécie de redenção. Transforma-se num vento de sílabas que espalham sentimentos, palavras, afetos, lembranças. Desse modo, converte sua poesia numa aventura onírica, conversa com o búzio, “barco de desejos e reencontros”.



 

Dois outros temas também são muito frequentes na poesia do autor: sombras e brumas. Elas são metáforas que emergem do inconsciente do poeta, simbolizando nevoeiros que sombreiam e assombram memórias. Em seus mapas poéticos, o eu lírico delineia o existir humano muitas vezes ancorado em dores pessoais e em sofrimentos sociais. Como uma onda, ele flutua entre a busca de encontros e o esquecimento de antigos desencontros vividos. O Índico torna-se memória esmaecida nas sombras das lembranças. É oceano amado, cantado por tantos poetas de Moçambique. É música distante, que o poeta ouve longe e já quase não mais escuta, perdendo-se, por isso, no indiferenciado.



 

Os poemas do autor são como uma escultura de lembranças, de reminiscências a afligirem seu criador, um escultor de emoções e recordações que empurram e alimentam sua vida, enquanto fazem parte dela. Poesia, água, fogo, pele despojada e entregue ao itinerário da vida. Mistérios e sombras por onde anda o poeta. Saudades do Índico, decifrando, cotidianamente, o local onde vive: Belo Horizonte.



 

A poesia de José Miguel Lopes é um corpo a iluminar vertigens, prazeres, sentimentos tristes, melancolia, desejos, ausências e presenças. É poesia-tempo, vento a fustigar novos sentidos, novos olhares, novos saberes. Nas sílabas do vento é uma ode à mulher amada, à vida, às palavras que fazem do mundo possibilidades de criação e amor. Como diz o eu lírico em “Filigranas Amorosas”, “apenas a poesia, só ela em toda a sua beleza faz ressonância com o mundo”.



 

Ave, poeta! Que muitos leiam este livro e desfrutem do sabor e dos encantos de seus versos!



 

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2023



 

Carmen Lucia Tindó Secco*



 

*É considerada uma das maiores, senão a maior, especialista brasileira na área das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, área do conhecimento na qual trabalha há três décadas. Professora Titular de Literaturas Africanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é graduada em Português-Literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (1970), mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) (1976) e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1992) e pós-dou­torado na Universidade Federal Fluminense (UFF) e em Moçambique, na Universidade Politécnica de Moçambique (2009-2010). Atualmente é cientista da Fundação Carlos Chagas, de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ (Faperj), pesquisadora colaboradora da Universidade de Lisboa, 2ª vice-presidente (gestão 2016-2019) da Associação Internacional de Estudos Literários e Culturais Africanos, pesquisadora PQ - nível 1 B do CNPq, consultora ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Realiza pesquisas voltadas para as relações entre a cultura e as literaturas africanas de língua portuguesa, com especial interesse pela poesia de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, bem como pelas relações entre cinema, literatura, afeto e pintura. É pesquisadora colaboradora da Universidade de Lisboa, membro da Comissão de Honra da Fundação Fernando Leite Couto, em Moçambique, e membro correspondente da Academia Angolana de Letras. De suas inúme­ras publicações, destacam-se A magia das letras africanas, com terceira edição, revista e ampliada em 2021, Afeto & poesia. Ensaios e entrevistas: Angola e Moçambique, de 2014, e Pensando o cinema moçambicano (2018) e CineGrafias moçambicanas: memórias & crônicas & ensaios (2019).



Leia um trecho da Apresentação

 



Para acessar a aquisição do livro no site da Editora clique aqui

 


8 comentários:

Anônimo 9 de fevereiro de 2024 às 15:18  

O pulsar da vida na misteriosa essência lírica do sonho, assente na realidade mágica do viver em sintonia consigo e o mundo.

Anônimo 9 de fevereiro de 2024 às 15:20  

O espírito cresce em sensibilidade e delicadeza consciente e doce. Vale a pena ler.

Anônimo 10 de fevereiro de 2024 às 01:11  

Parabens Ze

Ana David 10 de fevereiro de 2024 às 01:14  

O meu comentário fugiu sem que desse conta. Queria dizer parabéns Zé por mais esta rica obra.. Bj para vcs

Anônimo 10 de fevereiro de 2024 às 17:31  

Ze
Mais uma brilhante obra que nos ofereces
Tenho uma amiga que é poeta MILLY BARREIROS, quer um livro autografado, Portanto quando a Tonela vier que faça o favor
de trazer um volume para ela. Foi minha colega no Antônio Enes no ano lectivo de 66/67
Muito obrigado
Grande abraço
Eduardo

Daniela Passos 13 de fevereiro de 2024 às 10:48  

Que lindeza!!!!
Já tá na minha lista de leitura
Sucesso :)
Abs
Daniela Passos

A Opinião Feminina 15 de fevereiro de 2024 às 16:09  

Foi percebendo sua trajetória, a medida da lia cada linha. Meste, como sempre sua escrita, assim como o senhor, repletos de sabedoria e doçura. Parabéns! Quero o meu livro para apreciar todos os poemas. E claro, autografado .

Ana Souza

Anônimo 17 de março de 2024 às 06:54  

Professor Miguel, mais uma vez, estou encantada com tanta sensibilidade e doçura!
Parabéns pelo brilhantismo!!
Quero muito o meu exemplar autografado em breve.
Grande abraço!
Cida Domingues.

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