"Ao redor do nevoeiro" - Adão Cruz
Ao redor do nevoeiro
Hoje sou eu que vou ao teu
encontro
por dentro deste nevoeiro denso
que tudo esconde.
Não sei onde estás nem sinto os
teus cabelos de incenso.
Sei que moras para lá do tempo
entre dálias e gerânios
entre memórias e sonhos de um
segredo…
mas o coração diz-me para seguir
em frente e não ter medo.
Sem saber ao certo quem sou,
levo comigo a razão,
único caminho que rasga o
nevoeiro e rompe as algemas
e me deixa ver a luminosa
transparência do teu corpo
para lá das algas e dos peixes
verdes dos poemas.
Tu estás do outro lado de um
beijo
e eu quero abraçar-te pela
cintura
neste apagado incêndio dos
sentidos
ainda que seja demasiado tarde
para a verde ternura de um
desejo.
Hoje sou eu que vou ao teu
encontro
em meu corpo de terra antiga que
já não seduz.
Vou dar um passo em falso no
nevoeiro
para lá dos olhos sem luz.
Assim o decidi, ao ver-te
perdida
na altura em que o nevoeiro sem
sentido
caía pesadamente sobre a rua.
Mas não eras tu…
Era uma chama de lábios e lume
ardendo em estranho leito
nupcial
de um qualquer tempo já perdido.
Foi então
que no ventre do nevoeiro
inventei a noite entre lençóis de neve
mordidos de uma luz oblíqua que
não era minha nem tua
e se perdia na pele branca de um
qualquer corpo que eu não sentia.
Era como se um rio cantasse
entre a lua as águas e o nada…
e fosse demasiado tarde para ser
música no violino da madrugada.
Adão Cruz
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