sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

"Ao redor do nevoeiro" - Adão Cruz

 



Ao redor do nevoeiro

 




Hoje sou eu que vou ao teu encontro


por dentro deste nevoeiro denso que tudo esconde.


Não sei onde estás nem sinto os teus cabelos de incenso.


Sei que moras para lá do tempo entre dálias e gerânios


entre memórias e sonhos de um segredo…


mas o coração diz-me para seguir em frente e não ter medo.


Sem saber ao certo quem sou, levo comigo a razão,


único caminho que rasga o nevoeiro e rompe as algemas


e me deixa ver a luminosa transparência do teu corpo


para lá das algas e dos peixes verdes dos poemas.


Tu estás do outro lado de um beijo


e eu quero abraçar-te pela cintura


neste apagado incêndio dos sentidos


ainda que seja demasiado tarde


para a verde ternura de um desejo.


Hoje sou eu que vou ao teu encontro


em meu corpo de terra antiga que já não seduz.


Vou dar um passo em falso no nevoeiro


para lá dos olhos sem luz.


Assim o decidi, ao ver-te perdida


na altura em que o nevoeiro sem sentido


caía pesadamente sobre a rua.


Mas não eras tu…


Era uma chama de lábios e lume


ardendo em estranho leito nupcial


de um qualquer tempo já perdido.


Foi então


que no ventre do nevoeiro inventei a noite entre lençóis de neve


mordidos de uma luz oblíqua que não era minha nem tua


e se perdia na pele branca de um qualquer corpo que eu não sentia.


Era como se um rio cantasse entre a lua as águas e o nada…


e fosse demasiado tarde para ser música no violino da madrugada.



 

Adão Cruz



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