"És Linda" - Joaquim Pessoa
És Linda
És linda. E nem sabes quantos
pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te
construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo,
a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza
repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das
violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das
casas à da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso
que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da
angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita
o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos
teus músculos prometi a violência das cataratas, no teu sexo acordei a memória
do universo.
A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de
te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
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