domingo, 11 de julho de 2021

"A noite chega-me" - Al Berto

 




A noite chega-me

 

 



a noite chega-me irrequieta de cíclicos ventos, cintilam peixes pelas paredes do quarto


durmo sobre as águas e tenho medo


encolho-me no leito estreito, no fundo dele, onde o linho já não fulgura


queda a queda, voo




não consigo dormir com esta ferida


as máquinas sussuram, trepam pelas paredes, escancaram portas, invadem a casa, ocupam os sonhos


sirenes, alarmes lancinantes, cremalheiras da noite ressoando no limite do corpo




levanto-me e saio para a rua


caminho na chuva adocicada da manhã, as pedras acendem-se por dentro, reconhecem-me


uma voz líquida arrasta-se no interior dos meus passos, ecoa pelos recantos ainda vivos do teu corpo




em ti acostam os barcos e a sombra dos grandes navios do mundo


vive o peixe, agitam-se algas e medusas de mil desejos


em ti descansam os pássaros chegados doutras rotas


secam as redes, põe-se o sol


em ti se abandona a ressaca das ondas e o sal dos meus olhos


as árvores inclinadas, os frutos e as dunas


em ti pernoita a seiva cansada de palavras, o suco das ervas e o açúcar transparente das camarinhas


em ti cresce o precioso silêncio, as ostras doentes e as pérolas dos mares sem rumo


em ti se perdem os ventos, a solidão do mar e este demorado lamento



 

Al Berto



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