quarta-feira, 28 de julho de 2021

"Em homenagem a Otelo" - Adão Cruz

 




Em homenagem a Otelo

 

 



Um cravo vermelho


cristal de vida no céu de chumbo


cada dia um mundo limpo e perfumado


graças a ti flor da minha idade.


Caminho da esperança às portas da cidade


todo o mel e todos os frutos ali à mão.


Graças a ti cravo vermelho que venceste a solidão


veio o tempo ao nosso encontro


e a manhã despertou agitando as árvores.


E a noite se fez de estrelas que desceram aos cantos do jardim.


Um cravo vermelho e quente


mais que tudo amando a vida


em qualquer língua entendida.


O mundo tinha o sabor de uma maçã


e os olhos inacabados eram cravos vermelhos.


Não havia cárceres nem torturas


apenas o calor de uma fogueira na praça do entusiasmo


e uma jovem mulher


dormindo um sono de criança nos telhados da revolução.


O seu rosto era uma nuvem dourada pelo sol e pela lua


os cabelos trigueiros uma seara


e nos lábios a canção de Abril que encheu a rua.


Hoje…


Hoje não sei se é dor se alegria


o que sonho quando abro ao sol as portas de Abril.


Não sei se é dor


tristeza ou alegria


aquilo que sinto neste dia


em que Abril faz tantos anos de saudade e nostalgia.


Anos de luminoso tremor


corações ao alto


quadros verdes de sonho e raiva


de sol e chuva em celeste azul


luzindo nos olhos de uma gaivota


branca gaivota de penas mansas voando solitária dentro de mim


à volta de um cravo vermelho que me ficou dentro do peito.


Abro as janelas a medo neste areal de céu escuro


contra o mundo


a idade e o cansaço


e não sei se é vida ou amargura a estreiteza deste espaço.


Sei que um rio de negras águas cavalga as margens do meu ser


por entre as fendas da secura


e outra vez afoga a democracia às mãos de nova ditadura.



 

 

Adão Cruz



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