"Em homenagem a Otelo" - Adão Cruz
Em homenagem a Otelo
Um cravo vermelho
cristal
de vida no céu de chumbo
cada
dia um mundo limpo e perfumado
graças
a ti flor da minha idade.
Caminho
da esperança às portas da cidade
todo
o mel e todos os frutos ali à mão.
Graças
a ti cravo vermelho que venceste a solidão
veio
o tempo ao nosso encontro
e
a manhã despertou agitando as árvores.
E
a noite se fez de estrelas que desceram aos cantos do jardim.
Um
cravo vermelho e quente
mais
que tudo amando a vida
em
qualquer língua entendida.
O
mundo tinha o sabor de uma maçã
e
os olhos inacabados eram cravos vermelhos.
Não
havia cárceres nem torturas
apenas
o calor de uma fogueira na praça do entusiasmo
e
uma jovem mulher
dormindo
um sono de criança nos telhados da revolução.
O
seu rosto era uma nuvem dourada pelo sol e pela lua
os
cabelos trigueiros uma seara
e
nos lábios a canção de Abril que encheu a rua.
Hoje…
Hoje
não sei se é dor se alegria
o
que sonho quando abro ao sol as portas de Abril.
Não
sei se é dor
tristeza
ou alegria
aquilo
que sinto neste dia
em
que Abril faz tantos anos de saudade e nostalgia.
Anos
de luminoso tremor
corações
ao alto
quadros
verdes de sonho e raiva
de
sol e chuva em celeste azul
luzindo
nos olhos de uma gaivota
branca
gaivota de penas mansas voando solitária dentro de mim
à
volta de um cravo vermelho que me ficou dentro do peito.
Abro
as janelas a medo neste areal de céu escuro
contra
o mundo
a
idade e o cansaço
e
não sei se é vida ou amargura a estreiteza deste espaço.
Sei
que um rio de negras águas cavalga as margens do meu ser
por
entre as fendas da secura
e
outra vez afoga a democracia às mãos de nova ditadura.
Adão Cruz
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