sábado, 24 de julho de 2021

"Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos" - Herberto Helder

 




Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

 

 

 



Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos


detidos: hei-de partir quando as flores chegarem


à sua imagem. Este verão concentrado


em cada espelho. O próprio


movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios


dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias


internos.





Vou morrer assim, arfando


entre o mar fotográfico


e côncavo


e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas


o sangue que se agrava.





Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,


ígneo nessa criança


contemplada. Eu abandono estes jardins


ferozes, o génio


que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva


aos precipícios de agosto, e a mansidão


traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar


palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.


Cada dia é um abismo atómico.





E o leite faz-se tenro durante


os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro


que talha no calcário a rosa congenital.


A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.


O verão é de azulejo.


É em nós que se encurva o nervo do arco


contra a flecha. Deus ataca-me


na candura. Fica, fria,


esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança


dá a volta à noite, acesa completamente


pelas mãos.



 

 


 

Herberto Helder





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