quinta-feira, 29 de julho de 2021

"Chegaram as máquinas" - Al Berto

 




Chegaram as máquinas

 

 



 

 

chegaram as máquinas para talhar a cidade que vem


das águas cresce a obra do homem, ouve-se um lento grito d'espuma e
suor


na memória ficaram os sinais dos bosques ceifados, as dunas desfeitas e algumas casas abandonadas


estenderam-se tubos prateados, onde escorre o negro líquido


levantaram-se imensas chaminés, serpenteiam autoestradas na paisagem
irreconhecível do teu rosto




onde estarão as tâmaras maduras de tuas palmeiras?


e o perfume intenso das flores debruçando-se ao sol?


que murmúrios terão as pedras do teu silêncio?



a memória é hoje uma ferida onde lateja a Pedra do Homem, hirta como uma sombra num sonho


e as aves? frágeis quando aperta a tempestade...migraram como eu?


aonde caminhas, doce Moura Encantada?




ouço o ciciar dos canaviais do sono, adivinho teu caminhar de beijos no rumor das águas


tuas mãos de neve recolhem conchas, estrelas secretas, luas incendiadas...que o mar esconde na respiração das marés



estremecem-se nas mãos os insetos cortantes do medo, em meu peito doído ergue-se esta raiva dos mares-de-leva




 

 

 

Al Berto



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