quarta-feira, 21 de julho de 2021

"Patriota Comunista" - Gabriel O Pensador

 




Patriota Comunista



 

 

Tá ficando tarde


Acho que era nisso que eu pensava enquanto tentava dormir


Pra ver se pelo menos dormindo eu ainda sonhava e o sono não queria vir


Pra ver se pelo menos dormindo eu ainda conseguia respirar


Tô ficando sem ar


Acho que era nisso que eu pensava


Enquanto o meu sonho tentava chegar


Tentando desligar minha cabeça mas em alguma tela esse filme passava


Era um filme de sangue


Ou seriam as notícias?


Era um filme de gangue


Ou seria uma milícia?


Era um filme de época


Uma velha novela


O terror na favela e o hospital saturado


A criança espancada


Era um trans torturado


Eu fiquei transtornado


Eram cenas horríveis transcendendo níveis jamais tolerados


Já mais tolerados agora por seres humanos já mais insensíveis


Já mais insensíveis do que os alemães que tratavam os judeus como gado


Marcados com brasa e no Brasa 80 anos depois o enredo é igual


Medo e maniqueísmo e o ódio é normal


Preconceito é aceito e a morte é banal


Ou você é excomungado ou você é como os bois


Isso aqui sempre foi um curral


Uma bíblia, uma bunda, uma bola, uma pinga e uma sobra de feijão com arroz
O que mais poderíamos querer?


Uma arma pra cada


Uma bela piada zombando da cara de quem vai morrer?



Será que a minha amiga de Belo Horizonte pulou da janela do quinto


Sentindo essa angústia que eu sinto?


Por já não ver nada de belo ao buscar um horizonte e enxergar vários monstros

 brindando com cálices de vinho tinto e a carne mais cara no prato


A carne barata é a dos pretos, compartilham prantos


E prints das fotos dos corpos mas nos comentários o texto vem pronto


Se morreu no morro e é preto e fodido deve ser bandido então tudo bem


Se a Katlen não fosse mulher e gestante iam dizer que ela era traficante também


Se a família chora, o poder ignora e o diabo até ri


Agora o meu sono tá vindo e eu também tô sorrindo


Brincando com o menino Henry


Acabou chorare


No sonho eu componho com Moraes Moreira


Mas nem lá de cima ele esquece a vergonha


Lá vem o Brasil descendo a ladeira


E os novos baianos que chegam no céu foram executados


Por terem tentado furtar um pedaço de carne num supermercado


Então os seguranças pegaram em flagrante


Primeiro pediram dinheiro


Mas logo mandaram chamar os traficantes do bairro e mandaram entregar os ladrões de galinha pro coveiro


Chegaram no céu


E aí Gabriel, você por aqui?


Fiquei preocupado, será que eu morri?


Mas é só um sonho


Vou ver se aproveito pra dar um abraço em meu pai


Difícil encontrar


Chega gente demais


Numa fila que nunca termina


Vi uns anjos ali reclamando porque tinha país recusando vacina


Disfarcei minha nacionalidade


Eu acho que eu sou patriota


Mas no céu quem puser suas bandeiras acima de tudo


Deus dá cascudo e chama de idiota


Eu acho que eu sou humanista


Mas a humanidade tá punk


Eu peço um papel e uma caneta começo uma letra e encontro o Aldir Blanc


Me encanto com um conto do Rubem Fonseca e canto uma do Roupa Nova


Enquanto num canto Jesus me observa com cara de quem desaprova


Eu acho que eu sou comunista


Pois sempre chutei de canhota


Encontrei o Maradona gritando Argentina! Eu acho que ele é patriota



Sou patriota, sou comunista?


Ou só mais um morto vivendo no inferno


Só mais um sonho morrendo no céu


Mais uma nota no bolso do terno



Sou comunista, sou patriota?


Sou um cacique atacado na oca


Sou uma criança pedindo comida


Sou uma foca aplaudindo uma orca



Sou um cientista pedindo uma esmola


Sou um quilombola virando piada


Sou uma estudante estuprada na escola


Sou uma preguiça assistindo à queimada



Sou só mais um dos milhões de indivíduos


Tão divididos na morte e na vida


Somos devotos dos santos bandidos


Briga de votos parece torcida



Gritos de mito e de genocida


Almoço grátis com merda no prato


Toda verdade será distorcida


Todo poder pro Capitão do mato



Quando eu morrer


Não quero choro nem vela


Quero uma fita amarela


Gravada com o nome dela



Tá ficando estranho esse sonho


Mais um amigo chegando risonho Eduardo Galvão seu olhar ainda brilha


Mandando um recado pra filha


Querida, a vida é pra ser bem vivida não é uma corrida pro pódio


Amigo, ela sabe, eu também


E por isso também sobreponho o amor ao ódio


E sempre que posso ainda sonho


E tento inspirar tolerância


Se eu pude aprender com os meus erros não quero enterrar a esperança em que em tempos de tantos enterros o homem ainda enxergue a aberração da 
arrogância


E agarre esse chance de achar uma mudança de rumo atitude e conduta


Mas fica difícil encontrarmos caminhos mais justos se todos nós somos tão filhos da puta


Fazendo de tudo


Pra levar vantagem em tudo


Achando normal o absurdo


Pagando de louco de cego e de surdo apenas quando nos convém


Estamos doentes

O vereador e a mãe do menino, o governador e o ministro assassino que mata inocente no morro ou dispensa a vacina, de onde eles vêm?


Virou pesadelo esse sonho


Olhando pra gente eu até me envergonho


E eu acho que sou um cidadão de bem


Por isso me exponho e me cobro também


Se eu pude aprender pela voz dos poetas não posso aceitar a censura


Se os meus professores abriram minha mente a cura tá na educação e na cultura


Já tá uma tortura esse sonho


E falando em cultura olha quem aparece


Trazendo ironia e coragem


Me arranca um sorriso e alivia o estresse


No sonho ele vem com milhares de vítimas, 500 mil mortos ou mais


Acordo assustado e o sorriso do Paulo Gustavo na dor se desfaz


Só sinto o meu corpo gelado e do lado da cama uma frase dizendo aqui jaz


Esfrego os meus olhos e vejo que sou um escravo amarrado num tronco


E quando o chicote arrebenta minhas costas me sinto impotente mas olho pra trás


A lágrima lava o meu rosto e eu já consciente levanto pra sonhar de novo


E quebro as correntes quando reconheço o meu rosto na cara do meu capataz


Quando eu morrer


Não quero choro nem vela


Quero uma fita amarela


Gravada com o nome dela



 

 

 

Gabriel O Pensador




 

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