"Preso à cidade": Adão Cruz
Preso
à cidade
Preso à cidade
nesta
inquietante angústia das sombras
ao
redor de um tudo-nada que nos prende e constrange
cai
dos telhados o pó cinzento de uma neblina estranha
que
definha as ruas e arrasta as horas na lentidão dos passos.
Lá
atrás
uma réstia
de luz presa ao vidro de um candeeiro partido
sob
as janelas podres
lembra
que se alma houvesse
seria
fácil presa de um qualquer rígido corpo
enjoado
de farsas e falácias amontoadas no lixo.
A
noite caiu de forma estranha sobre a cidade sem corpo
definhada
de luz e consciência
deixando
atrás de si os últimos passos de uma existência
presa
a todas as obscurantistas ordens estabelecidas.
Até
o vento se foi
para
não arrastar a neblina estranha
e
para não calar o pesado silêncio que se prende ao corpo
como
mortalha do tempo que desfaz a réstia de luz
presa
ao vidro de um qualquer candeeiro partido.
Ainda
ontem era dia nos braços do trabalho
e
nas carnes que não conheciam o exílio
recusando
morrer fora dos sonhos e da vida
e o
vento varria o silêncio
para
libertar o corpo e a mente
da
neblina das noites pegajosas.
Havia
certezas por entre os tremores da indecisão
havia
sorrisos verdades e ilusões
e
havia brisas sonâmbulas calando os medos
e
havia rios arrastando as paredes negras
e
todas as sombras dos candeeiros partidos.
Preso
à cidade
na
tristeza que nos envolve e nos liberta o pensamento
cai
dos telhados a poeira do tempo
que
cala as ruas e prende as horas na lentidão dos passos
e
abre no chão quadriculado um espelho negro
com
um menino tocando o céu azul
rodeado
de pássaros e flores e rios cristalinos
e
nos estende a mão num gesto de paz que nos acalma e nos perdoa
e
carinhosamente
e
sigilosamente
nos
devolve ao nada por um caminho oculto
irreversível.
Adão
Cruz
Divulgando o último livro do autor do blog Aqui
0 comentários:
Postar um comentário