"Vento preso à cidade" - Adão Cruz
Vento preso à cidade
A noite passou já as estrelas se apagaram novo sol não tarda
já doura o fio dos montes e o fantasma é um lençol no meio
do chão porque eu sou o vencedor de todos os fantasmas
Vai ser quente o dia apesar do ar frio da noite vem comigo
olha aquelas duas palmeiras que viçosas tão altas na mira do
céu e eu sou maior do que o céu
O desvio termina aqui o caminho é novo ainda que não
permita grande correr não temas tudo há-de ser como eu
quiser porque eu sou maior do que eu
Por cima do teu corpo há um leito de espuma que eu bebo de
um trago espuma do mar porque eu sou maior do que o mar
e mais fundo do que o meu ser
Brota das entranhas um mundo novo onde o coração pulsa à
transparência da vida que nasce da sombra da noite porque
eu sou o alvorecer de todas as manhãs
A sombra da floresta é apenas sombra onde a medo o sol
penetra e cria fantasmas nas árvores e monstros nos
charcos mas eu sou o guardião do templo do sol
A nova estrada é de ilusão todos sabem não tem altos nem
baixos o caminho da cidade é o caminho do desértico centro
da cidade ali à mão mas a cidade sou eu
O mar de ondas verdes e fundas quebradas em catedrais
de espuma nas rochas negras e nuas refulge de prata os
abraços frios da alma mas eu sou maior do que o mar e da
alma há muito me perdi
O sol brilha na areia escaldante onde o corpo se deita num
leito de espuma espargida de mil gotas e o céu azul beija
o mar ao longe onde os olhos cansados sempre teimam
repousar
No sono da tarde vai-se quebrando o pensamento em
pedaços de luz e sombra que o vento preso à cidade resolve
levar para bem longe como plácidas gaivotas porque eu sou
escravo e não senhor do pensamento
Adão Cruz
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