"carpo, metacarpo e dedos" - Maria do Rosário Pedreira
carpo, metacarpo e dedos
Se vieres por mim, não levantes a mão
para me chamar – na casa onde nasci,
a minha mãe contava as dores pelos
dedos do meu pai e dizia que levantar
era desculpa de quem vinha com
a doença do amor. A minha mãe – um
anjo – já lá vai. Mas tu, se vens por mim,
deixa as nuvens lá fora e não tragas o
vento para dentro de casa: o vento levanta
poeiras muito antigas e descobre pecados
onde não estavam; e atrás dos pecados
vêm perguntas feias, e gritos, e logo as
mãos – no peito, no rosto – e tantas dores.
A minha irmã – um anjo – contava-to
melhor. Mas já não está. Agora estamos
só tu e eu, e não sei onde estamos; mas, se
vieste por mim, chama-me calado no teu
coração – tão longe do mundo é esta casa
e eu ainda oiço às vezes tambores na noite:
batem talvez na morte os dedos do meu pai.
Maria do Rosário Pedreira
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