segunda-feira, 1 de julho de 2024

"carpo, metacarpo e dedos" - Maria do Rosário Pedreira


 


carpo, metacarpo e dedos




Se vieres por mim, não levantes a mão


para me chamar – na casa onde nasci,


a minha mãe contava as dores pelos


dedos do meu pai e dizia que levantar


era desculpa de quem vinha com


a doença do amor. A minha mãe – um


anjo – já lá vai. Mas tu, se vens por mim,


deixa as nuvens lá fora e não tragas o


vento para dentro de casa: o vento levanta


poeiras muito antigas e descobre pecados


onde não estavam; e atrás dos pecados




vêm perguntas feias, e gritos, e logo as


mãos – no peito, no rosto – e tantas dores.


A minha irmã – um anjo – contava-to


melhor. Mas já não está. Agora estamos




só tu e eu, e não sei onde estamos; mas, se


vieste por mim, chama-me calado no teu


coração – tão longe do mundo é esta casa


e eu ainda oiço às vezes tambores na noite:



batem talvez na morte os dedos do meu pai.




Maria do Rosário Pedreira



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