"A Partida" (Fragmento) - Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos
“A Partida” (Fragmento)
Minha imaginação é um Arco de
Triunfo.
Por baixo passa toda a Vida.
Passa a vida comercial de hoje,
automóveis, camions,
Passa a vida tradicional nos
trajes de alguns regimentos,
Passam todas as classes sociais,
passam todas as formas de vida,
E no momento em que passam na
sombra do Arco do Triunfo
São momentaneamente um triunfo
que eu os faço ser.
Qualquer cousa de triunfal cai
sobre eles,
E eles são, um momento, pequenos
e grandes.
[…]
Mas às grandes horas da minha
sensação
Quando em vez de retilínea, ela
é circular
E gira vertiginosamente sobre si
própria,
O Arco desaparece, funde-se com
a gente que passa,
E eu sinto que sou o Arco, e o
espaço que ele abrange,
E toda a gente que passa,
E todo o passado da gente que
passa,
E todo o futuro da gente que
passa,
E toda a gente que passará
E toda a gente que já passou.
Sinto isto, e ao senti-lo sou
cada vez mais
A figura esculpida a sair do
alto do arco
Que fita para baixo
O universo que passa.
Mas eu próprio sou o Universo,
Eu próprio sou sujeito e objeto,
Eu próprio sou Arco e Rua,
Eu próprio cinjo e deixo passar,
abranjo e liberto,
Fito de alto, e de baixo fito-me
fitando,
Passo por baixo, fico em cima,
quedo-me dos lados,
Totalizo e transcendo,
Realizo Deus numa arquitetura
triunfal
De arco de triunfo posto sobre o
universo,
De arco de triunfo construído
Sobre todas as sensações de
todos que sentem
E sobre todas as sensações de
todas as sensações…
Poesia do ímpeto e do giro,
Da vertigem e da explosão,
Poesia dinâmica, sensacionista,
silvando
Pela minha imaginação fora em
torrentes de fogo,
Em grandes rios de chuva, em
grandes vulcões de lume.
Fernando Pessoa/ Álvaro de
Campos
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