"Um vento de amores e marés" - Imane El Khattabi
Um vento de amores e marés
Há sapos na rua
das trevas,
o ruído é estridente e constrangedor.
Há sapos com beijos agora no esquecimento,
as palavras leva-as o silêncio.
O vento faz-se eco de novos ares,
já sem sapos. Já sem beijos. Já sem palavras.
Que o matagal me não impeça de ver as árvores em
tuas veias.
Que o matagal me não extermine os latidos do ar cálido
Que o matagal seja rumor, seja pó, seja nada.
Rei sol, ilumina meus pensamentos,
agrada aos meus prazeres em tua erupção,
afasta o frio abrasador em teu esquecimento.
Rei sol, não escureças o meu destino.
Pega nas minhas ideias e afasta os fantasmas vazios.
Dor de folhas secas, pressentimento em meu
olvidado músculo,
pensamento: razão obscura
dor: alívio passageiro
amor: palavra antiga.
Dor de folhas secas é o que sinto pelo esquecimento.
A verdade dos céus esconde o segredo da tua boca.
A verdade dos mares cala a tempestade do teu silêncio.
A verdade dos amantes silencia o desejo carnal de Vénus.
A verdade dos olhares cegos esconde o tesouro que tanto calas.
Companheiro de viagem, proprietário do caminho do viver.
Companheiro da memória, sonho de papoilas e girassóis.
Companheiro de viagem. Sempre tu, sempre eu.
Sempre nós. Companheiro de viagem.
E tu dizes-me um «quero-te».
Para além do âmago do cristal.
Para além do bem e das tormentas.
Para além do fio infinito da tua voz.
E eu digo-te um instante eterno.
Para cá das minhas veias.
Para cá da minha razão.
E para cá do tu e do eu.
Dança em mim a água e sente os meus beijos na tua pele.
Recorda as minhas carícias. Não as esqueças.
Protege as minhas carícias na tua pele.
Dança em mim e sente os meus suspiros em tua boca.
Lembra os meus lábios. Não os esqueças.
Beija-os até me deixares sem alento.
Dança em mim e deixa-me morrer em teus braços.
O beijo no pescoço,
o suave toque dos lábios no frágil pescoço,
fez de mim um cisne com penas de cristal:
Fénix renascida do Amor.
Enredo de conto de fadas.
Tule vaporoso e de sopros azuis.
Enredo de sonho dourado.
Brilho de luz água-marinha e leito apaixonado.
Para além do âmago do cristal.
Para além do eco débil das veias.
Para além do oceano das pupilas.
Para além do olhar: Um amor para além de ti:
Um silêncio quebrado.
Para além de ti. A vida e a morte.
Gotas de água gelada percorrem as minhas veias,
são a cristalização das memórias,
dormem na litania dos meus sonhos,
são a bruma branca,
são a respiração na imensidão do meu frio.
A vida e a morte. São tu e eu, talvez.
Um amor arrogante e poderoso. Sem a despedida.
Um amor de vento e de marés. Sem o alento.
Um amor com margens. Sem escrituras.
Um amor de preâmbulos vazios. E finais sem saber o
que dizer.
Em mim te descubro. Vivo-te, sinto-te.
Mesmo que exista um mar mais ou menos estreito.
Ainda que passem os anos. Nem tu perdes a beleza,
Nem eu a esperança de te recuperar.
Tu, minha cidade, íntima e maravilhosa.
Contigo volto a nascer, ao abrigo de muralhas e de nevões.
Tu, minha cidade, fria e distante.
Contigo volto a nascer, ao som do Amor e da Sabedoria.
Tu, minha cidade, Tu, minha dor e meu pranto,
Tu, agora distante. Tu, ainda ontem tão próxima.
Já vivemos todos os sonhos,
«Se uma vida, como tudo, é uma questão de histórias,
Aproximar-me das tuas ruas foi criar um destino».
Sente a minha falta.
Manda-me luz e amor cada vez que pensares em mim,
cada vez que anoitece no teu íntimo.
Sente a minha falta, ou não.
E fiquemo-nos por aí. Não será para sempre. Nada é
para sempre.
O último vagão de sombras
sulca imparável o meu mar ferruginoso.
Leva as minhas ânsias e as minhas nostalgias.
Leva o tu e o eu e a minha cidade incessantemente.
O último vagão vazio de ausências
detém-se na minha história solitária.
Leva os meus olhares para outro sítio.
Leva o meu último adeus e fico sem nada.
Com a palavra me rebelo.
Sonho a manhã com as veias.
E, no entanto, caminho longa e demoradamente.
Sempre em tapete vermelho.
E, no entanto, estremece o meu destino.
Com recortes da minha palavra.
Sempre em tapete vermelho.
Cravo-me no mês dos assombros.
Cavalo branco e bosque verde.
Fixo-me nos olhos do meu destino.
Pluma branca e terra molhada.
Fixo-me nos escritos.
Página em branco e ponto e final.
Imane El Khattabi
Nasceu em
Tetouan em 1974. Doutorada em Língua e Literatura Árabe, é funcionária do
Ministério da Cultura e Comunicação de Marrocos. É membro da União de
Escritores de Marrocos e da Casa da Poesia de Marrocos. Os seus poemas têm sido
publicados em jornais e revistas, tendo dado à estampa em 2001, O
mar no princípio da maré, e, em 2014, Operadora
do corpo, traduzida para espanhol em 2016, e publicada no Chile. Os
seus poemas encontram-se traduzidos para espanhol, francês, inglês
e curdo.
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