segunda-feira, 20 de maio de 2024

"Um vento de amores e marés" - Imane El Khattabi


 


Um vento de amores e marés

 




Há sapos na rua das trevas,


o ruído é estridente e constrangedor.


Há sapos com beijos agora no esquecimento,


as palavras leva-as o silêncio.


O vento faz-se eco de novos ares,


já sem sapos. Já sem beijos. Já sem palavras.



 

Que o matagal me não impeça de ver as árvores em tuas veias.


Que o matagal me não extermine os latidos do ar cálido


Que o matagal seja rumor, seja pó, seja nada.


  

 

Rei sol, ilumina meus pensamentos,


agrada aos meus prazeres em tua erupção,


afasta o frio abrasador em teu esquecimento.


Rei sol, não escureças o meu destino.


Pega nas minhas ideias e afasta os fantasmas vazios.



 

Dor de folhas secas, pressentimento em meu olvidado músculo,


pensamento: razão obscura


dor: alívio passageiro


amor: palavra antiga.


Dor de folhas secas é o que sinto pelo esquecimento. 



 

A verdade dos céus esconde o segredo da tua boca.


A verdade dos mares cala a tempestade do teu silêncio.


A verdade dos amantes silencia o desejo carnal de Vénus.


A verdade dos olhares cegos esconde o tesouro que tanto calas.


 

 

Companheiro de viagem, proprietário do caminho do viver.


Companheiro da memória, sonho de papoilas e girassóis.

 

Companheiro de viagem. Sempre tu, sempre eu.


Sempre nós. Companheiro de viagem.



 

E tu dizes-me um «quero-te».


Para além do âmago do cristal.


Para além do bem e das tormentas.


Para além do fio infinito da tua voz.


E eu digo-te um instante eterno.


Para cá das minhas veias.


Para cá da minha razão.


E para cá do tu e do eu.



 

Dança em mim a água e sente os meus beijos na tua pele.


Recorda as minhas carícias. Não as esqueças.


Protege as minhas carícias na tua pele.


Dança em mim e sente os meus suspiros em tua boca.

  

Lembra os meus lábios. Não os esqueças.


Beija-os até me deixares sem alento.


Dança em mim e deixa-me morrer em teus braços.



 

O beijo no pescoço,


o suave toque dos lábios no frágil pescoço,


fez de mim um cisne com penas de cristal:


Fénix renascida do Amor.


Enredo de conto de fadas.


Tule vaporoso e de sopros azuis.


Enredo de sonho dourado.


Brilho de luz água-marinha e leito apaixonado.



 

Para além do âmago do cristal.


Para além do eco débil das veias.


Para além do oceano das pupilas.


Para além do olhar: Um amor para além de ti:


Um silêncio quebrado.



 

Para além de ti. A vida e a morte.


Gotas de água gelada percorrem as minhas veias,


são a cristalização das memórias,


dormem na litania dos meus sonhos,


são a bruma branca,


são a respiração na imensidão do meu frio.


A vida e a morte. São tu e eu, talvez.



 

Um amor arrogante e poderoso. Sem a despedida.


Um amor de vento e de marés. Sem o alento.


Um amor com margens. Sem escrituras.


Um amor de preâmbulos vazios. E finais sem saber o que dizer.



 

Em mim te descubro. Vivo-te, sinto-te.


Mesmo que exista um mar mais ou menos estreito.


Ainda que passem os anos. Nem tu perdes a beleza,


Nem eu a esperança de te recuperar.



 

Tu, minha cidade, íntima e maravilhosa.


Contigo volto a nascer, ao abrigo de muralhas e de nevões.


Tu, minha cidade, fria e distante.


Contigo volto a nascer, ao som do Amor e da Sabedoria.


Tu, minha cidade, Tu, minha dor e meu pranto,


Tu, agora distante. Tu, ainda ontem tão próxima.



 

Já vivemos todos os sonhos,


«Se uma vida, como tudo, é uma questão de histórias,


Aproximar-me das tuas ruas foi criar um destino».


Sente a minha falta.


Manda-me luz e amor cada vez que pensares em mim,


cada vez que anoitece no teu íntimo.


Sente a minha falta, ou não.


E fiquemo-nos por aí. Não será para sempre. Nada é para sempre.



 

O último vagão de sombras


sulca imparável o meu mar ferruginoso.


Leva as minhas ânsias e as minhas nostalgias.


Leva o tu e o eu e a minha cidade incessantemente.


O último vagão vazio de ausências


detém-se na minha história solitária.


Leva os meus olhares para outro sítio.


Leva o meu último adeus e fico sem nada.



 

Com a palavra me rebelo.


Sonho a manhã com as veias.


E, no entanto, caminho longa e demoradamente.


Sempre em tapete vermelho.


E, no entanto, estremece o meu destino.


Com recortes da minha palavra.


Sempre em tapete vermelho.



 

Cravo-me no mês dos assombros.


Cavalo branco e bosque verde.


Fixo-me nos olhos do meu destino.


Pluma branca e terra molhada.


Fixo-me nos escritos.


Página em branco e ponto e final.



 

Imane El Khattabi



 

Nasceu em Tetouan em 1974. Doutorada em Língua e Literatura Árabe, é funcionária do Ministério da Cultura e Comunicação de Marrocos. É membro da União de Escritores de Marrocos e da Casa da Poesia de Marrocos. Os seus poemas têm sido publicados em jornais e revistas, tendo dado à estampa em 2001, O mar no princípio da maré, e, em 2014, Operadora do corpo, traduzida para espanhol em 2016, e publicada no Chile. Os seus poemas encontram-se traduzidos para espanhol, francês, inglês e curdo.





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