sexta-feira, 31 de maio de 2024

"Poema de número 4" - Zakaria Mohammad

Zakaria Mohammad 

 


Poema de número 4




Ele estava chorando, então eu segurei sua mão para acalmá-lo e enxugar


       suas lágrimas.


Contei-lhe como a tristeza me sufocava: eu lhe prometo que a justiça


vai prevalecer no fim de tudo e que a paz chegará logo.


Estava mentindo para ele, é claro; sei que a justiça não vai prevalecer


e que a paz não chegará logo; mas eu tinha de deter suas lágrimas.


Acalentava essa ideia falsa de que se a gente pudesse, com um gesto


       mágico das mãos, deter


o rio das lágrimas, tudo ficaria razoavelmente equilibrado.


Assim, as coisas seriam aceitas como elas são. A crueldade e a justiça


pastariam juntas no mesmo campo, deus se tornaria o irmão de satã, e a


       vítima


seria a bem-amada de seu assassino.


Mas não há como deter as lágrimas. Elas fluem como uma enchente


e arruínam a cerimônia mentirosa da paz.


E por causa disso, pela obstinação amarga das lágrimas, deixemos que o


       olho seja consagrado como o santo mais verdadeiro


na face da Terra.


Deter lágrimas não é a tarefa da poesia.


A poesia deve cavar uma trincheira que elas possam inundar, afogando o
       universo.



 

Zakaria Mohammad*



 

*Zakaria Mohammad tornou-se uma das principais vozes da poesia palestina contemporânea, dentro da chamada “poesia árabe modernista”, um movimento literário pan-arábico que, em diálogo com outros movimentos de vanguarda, renovou a dicção poética em sua língua a partir da segunda metade do século XX. Nasceu em Al-Zawyia, perto de Nablus, na Palestina, em 1951. Estudou na Universidade de Bagdá, no Iraque, formando-se em 1973. Em 1975, mudou-se para Beirute, no Líbano, e tornou-se editor, poeta, romancista e jornalista, tendo atuado também em Bagdá, Amã e Damasco. Em 1994, retornou à Palestina, fixando-se em Ramallah, onde faleceu em 2023. 



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