"Poema de número 4" - Zakaria Mohammad
Poema de número 4
Ele estava chorando, então eu segurei sua mão para acalmá-lo e enxugar
suas lágrimas.
Contei-lhe como a tristeza me sufocava: eu lhe prometo que a justiça
vai prevalecer no fim de tudo e que a paz chegará logo.
Estava mentindo para ele, é claro; sei que a justiça não vai prevalecer
e que a paz não chegará logo; mas eu tinha de deter suas lágrimas.
Acalentava essa ideia falsa de que se a gente pudesse, com um gesto
mágico das mãos, deter
o rio das lágrimas, tudo ficaria razoavelmente equilibrado.
Assim, as coisas seriam aceitas como elas são. A crueldade e a justiça
pastariam juntas no mesmo campo, deus se tornaria o irmão de satã, e a
vítima
seria a bem-amada de seu assassino.
Mas não há como deter as lágrimas. Elas fluem como uma enchente
e arruínam a cerimônia mentirosa da paz.
E por causa disso, pela obstinação amarga das lágrimas, deixemos que o
olho seja consagrado como o santo mais
verdadeiro
na face da Terra.
Deter lágrimas não é a tarefa da poesia.
A poesia deve cavar uma trincheira que elas possam inundar, afogando o
universo.
Zakaria
Mohammad*
*Zakaria Mohammad tornou-se
uma das principais vozes da poesia palestina contemporânea, dentro da chamada
“poesia árabe modernista”, um movimento literário pan-arábico que, em diálogo
com outros movimentos de vanguarda, renovou a dicção poética em sua língua a
partir da segunda metade do século XX. Nasceu em Al-Zawyia, perto de Nablus, na
Palestina, em 1951. Estudou na Universidade de Bagdá, no Iraque, formando-se em
1973. Em 1975, mudou-se para Beirute, no Líbano, e tornou-se editor, poeta,
romancista e jornalista, tendo atuado também em Bagdá, Amã e Damasco. Em 1994,
retornou à Palestina, fixando-se em Ramallah, onde faleceu em 2023.
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