sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Chegar atrasado à própria pele


O meu irmão branco descobriu que éramos de raças diferentes, no jardim-de-infância, aos cinco anos. Chegou a casa de beicinho por eu nunca lho ter contado, dizendo-me «tu afinal és preta e nunca me disseste». Nunca me ocorrera dizer-lhe. Sempre pensei nesta anedota como na descoberta por ele da minha raça e não como na descoberta dele de alguma coisa sobre si mesmo, apesar de a memória do seu desconsolo com a revelação inesperada se confundir retrospectivamente com o seu reconhecimento de que me tinha falhado de algum modo.
Segundo me contou, tal segredo foi-lhe revelado por um colega, um especialista encartado, como qualquer criança de cinco anos, em revelar o que é, em simultâneo, altamente evidente e altamente contra-intuitivo. Porém o que aparenta ser evidência na percepção da raça de uma pessoa — os seus traços físicos e culturais distintivos — pode ser vivido exactamente como uma descoberta contra-intuitiva. Pode acontecer que cheguemos atrasados à nossa raça, apesar de todas as evidências em contrário. O discurso habitual sobre a raça baseia-se, todavia, na presunção de esta ter um valor facial: qualquer coisa que percebemos de imediato sobre quem está à nossa volta. A descoberta do meu irmão aponta num caminho diverso, o de a raça não estar propriamente disponível aos sentidos. Vendo bem, e com igual propriedade, o meu irmão poderia ter chegado a casa vindo do jardim-de-infância e surpreender-me dizendo “tu afinal és branca e nunca me disseste”, coisa que de um modo ou de outro me tem sido repetida muitas vezes ao longo da vida. Assim se explica, poderíamos continuar, que uma pessoa não se aperceba da sua raça, apesar de todos o perceberem com tamanha facilidade.
Para ler o texto completo de Djaimilia Pereira de Almeida clique aqui

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