quarta-feira, 30 de março de 2022

"Poemas para a amiga (Fragmento 8)" - Affonso Romano de Sant’Anna

 




Poemas para a amiga (Fragmento 8)

 

 

 

 

 

 



Contemplo agora


o leito que vazio


se contempla.


Contemplo agora


o leito que vazio


em mim se estende


e se me aproximo


existe qualquer coisa


trescalando aroma em mim.




Onde o teu corpo, amante-amiga,


onde o carinho


que compungido em recebia


e aquela forma que tranquila


ainda ontem descobrias?




Agora eu te diria


o quanto te agradeço o corpo teu


se o me dás ou se o me tomas,


e o recolhendo em mim,


em mim me vais colhendo,


como eu que tomo em ti


o que de ti me vais doando.




Eu muito te agradeço este teu corpo


quando nos leitos o estendias e o me davas,


às vezes, temerosa,


e, ofegante, às vezes,


e te agradeço ainda aquele instante (o percebeste)


em que extasiado ao contemplá-lo


em mim me conturbei


– (o percebeste) me aguardaste


e nos olhos te guardei.




Eu muito te agradeço, amante-amiga,


este teu corpo que com fúria eu possuía,


corpo que eu mais amava


quanto mais o via,


pequeno e manso enigma


que eu decifrei como podia.




Agora eu te diria


o que não soubeste


e nunca o saberias:


o que naquele instante eu te ofertava


nunca a mim eu já doara


e nunca o doaria.




Nele eu fui pousar


quando cansado e dúbio,


dele eu fui tomar


quando ofegante e rubro,


dele e nele eu revivia


e foi por ele que eu senti


a solidão, e o amor


que em mim havia.




Teu corpo quando amava


me excedia,


e me excedendo


com o amor foi me envolvendo,


e nesse amor absorvente


de tal forma absorvendo,


que agora que o não tenho


não sei como permaneço nesta ausência


em que tuas formas se envolveram,


tanto o amor


e a forma do teu corpo


no meu corpo se inscreveram.

 



 

 

 

 

 

Affonso Romano de Sant’Anna

 



 

 

 

 

 

 

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