quarta-feira, 17 de novembro de 2021

"Sono das Águas" - João Guimarães Rosa


 



Sono das Águas

 



 

 

 

Há uma hora certa,


no meio da noite, uma hora morta,


em que a água dorme. Todas as águas dormem:


no rio, na lagoa,


no açude, no brejão, nos olhos d’água.


nos grotões fundos.


E quem ficar acordado,


na barranca, a noite inteira,


há de ouvir a cachoeira


parar a queda e o choro,


que a água foi dormir…



Águas claras, barrentas, sonolentas,


todas vão cochilar.


Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,


fios brancos, torrentes.


O orvalho sonha


nas placas da folhagem.


E adormece


até a água fervida,


nos copos de cabeceira dos agonizantes…


Mas nem todas dormem, nessa hora


de torpor líquido e inocente.


Muitos hão de estar vigiando,


e chorando, a noite toda,


porque a água dos olhos


nunca tem sono…

 

 

 

João Guimarães Rosa



 

 

 

 

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