domingo, 14 de novembro de 2021

"Poema das folhas secas de plátano" - António Gedeão

 




Poema das folhas secas de plátano

 

 



 

 

 

As folhas dos plátanos desprendem-se e lançam-se na aventura do espaço,


e os olhos de uma pobre criatura


comovidos as seguem.


São belas as folhas dos plátanos


quando caem, nas tardes de Novembro


contra o fundo de um céu  desgrenhado e sangrento.


Ondulam como os braços da preguiça


o indolente bocejo.


Sobem e descem, baloiçam-se e repousam,


traçam erres e esses, cicloides e volutas,


no espaço escrevem com o pecíolo breve,


numa caligrafia requintada,


o nome que se pensa,


e seguem e regressam,


dedilhando em compassos sonolentos


a música outonal do entardecer.




São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.


Eram lisas e verdes no apogeu


da sua juventude em clorofila,


mas agora, no outono de si mesmas,


o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,


deixou-se trespassar por afiado ácidos.


A verde clorofila, perdido o seu magnésio,


vestiu-se de burel,


de um tom que não é cor,


nem se sabe dizer que nome tenha,


a não ser o seu próprio,


folha seca de plátano.


A secura do Sol causticou-a de rugas,


um castanho mais denso acentuou-lhe os nervos,


e esta real e pobre criatura


vendo o solo coberto de folhas outonais


medita no malogro das coisas que a rodeiam:


dá-lhes o tom a ausência de magnésio;


os olhos, a beleza.



 

 

 

 

António Gedeão



 

 

 

 

 

 

Divulgando o mais recente livro do autor do blog Aqui   

0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP