domingo, 21 de novembro de 2021

"Apenas um corpo" - Eugénio de Andrade

 




Apenas um corpo




 

 

 

 

Respira. Um corpo horizontal,


tangível, respira.




Um corpo nu, divino,


respira, ondula, infatigável.




Amorosamente toco o que resta dos deuses.


As mãos seguem a inclinação


o peito e tremem,


pesadas de desejo.




Um rio interior aguarda.


Aguarda um relâmpago,


um rio de sol,


outro corpo.




Se encosto o ouvido à sua nudez,


uma música sobe,


ergue-se do sangue,


prolonga outra música.




Um novo corpo nasce,


nasce dessa música que não cessa,


desse bosque rumoroso de luz,


debaixo do meu corpo desvelado.






Eugénio de Andrade




 

 

 

 

 

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