domingo, 5 de setembro de 2021

"O horizonte das palavras" - António Ramos Rosa






O horizonte das palavras





Sem direção, sem caminho


escrevo esta página que não tem alma dentro.


Se conseguir chegar à substância de um muro


acenderei a lâmpada de pedra na montanha.


E sem apoio penetro nos interstícios fugidios


ou enuncio as simples reiterações da terra,


as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.


Tentarei construir a consistência num adágio


de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.


E na substância entra a mão, o balbucio branco


de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,


um organismo verde aberto sobre o mar,


as teclas do verão, as indústrias da água.


Eu sou agora o que a linguagem mostra


nas suas verdes estratégias, nas suas pontes


de música visual: o equilíbrio preenche os buracos


com arcos, colinas e com árvores.


Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.


O impronunciável é o horizonte do que é dito.




 

António Ramos Rosa


 


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