sexta-feira, 17 de setembro de 2021

"Solidão" - Mia Couto

 




Solidão

 




 

 

Aproximo-me da noite


o silêncio abre os seus panos escuros


e as coisas escorrem


por óleo frio e espesso




Esta deveria ser a hora


em que me recolheria


como um poente


no bater do teu peito


mas a solidão


entra pelos meus vidros


e nas suas enlutadas mãos


solto o meu delírio




É então que surges


com teus passos de menina


os teus sonhos arrumados


como duas tranças nas tuas costas


guiando-me por corredores infinitos


e regressando aos espelhos


onde a vida te encarou




Mas os ruídos da noite


trazem a sua esponja silenciosa


e sem luz e sem tinta


o meu sonho resigna




Longe


os homens afundam-se


com o caju que fermenta


e a onda da madrugada


demora-se de encontro


às rochas do tempo





Mia Couto



 

 

 

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