segunda-feira, 6 de setembro de 2021

"Diz o meu nome" - Mia Couto

 




Diz o meu nome




Diz o meu nome


pronuncia-o


como se as sílabas te queimassem
                                  [os lábios


sopra-o com a suavidade


de uma confidência


para que o escuro apeteça


para que se desatem os teus cabelos


para que aconteça




Porque eu cresço para ti


sou eu dentro de ti


que bebe a última gota


e te conduzo a um lugar


sem tempo nem contorno




Porque apenas para os teus olhos


sou gesto e cor


e dentro de ti


me recolho ferido


exausto dos combates


em que a mim próprio me venci




Porque a minha mão infatigável


procura o interior e o avesso


da aparência


porque o tempo em que vivo


morre de ser ontem


e é urgente inventar


outra maneira de navegar


outro rumo outro pulsar


para dar esperança aos portos


que aguardam pensativos




No húmido centro da noite


diz o meu nome


como se eu te fosse estranho


como se fosse intruso


para que eu mesmo me desconheça


e me sobressalte


quando suavemente


pronunciares o meu nome





Mia Couto




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