quinta-feira, 5 de agosto de 2021

"Digitalizaçâo" - José Paulo Pinto Lobo

 




Digitalizaçâo

 



Neste mundo em permanente mudança, digitalização é a palavra mágica.


Tudo se digitaliza. Jornais, televisão, livros, dinheiro e até pessoas.


Também as guerras. Ataques cibernéticos. Drones telecomandados.


É prático. Actual. O presente e o futuro.



 

Tudo se resume a zero um, zero um, inclusive as ideias.


Ou são um ou são zero.



 

Tudo entendido na base binária. Zero um, zero um.


Privacidade, apenas zero.


Linguagem máquina, algoritmos, códigos-fonte, instruções, governam nossas vidas.


Em máquinas impensantes nos tornamos, quem sabe se dispensáveis um dia.



 

Cabeças zeradas funestam o papel sob capa de defesa ambiental.


As pobres árvores precisam de protecção. Ledo engano.


Não são as árvores do papel mas as outras tombadas em acelerada desflorestação.


E os recursos consumidos na produção das máquinas incensadas.



 

Dessincronizados somos aqueles que gostamos de livros, físicos, palpáveis.


Antigos. Jurássicos. Analfabetos informáticos. Velhos do Restelo.


Os modernos não alcançam, desconseguem ouvir.


A canção do virar das páginas, o toque amoroso da ponta dos dedos.


O aroma voluptuoso do papel impresso.



 

Ah! Pobres almas binárias.


Limitadas aos seus ecrãs, teclados e ratos.


Em breve de óculos garrafais e aceleradas tendinites.


Em solitárias digitalizadas vidas.



 

Nem sequer compreendem o prazer do silêncio de uma biblioteca forrada de livros.


A beleza das paredes repletas de lombadas, comprimindo folhas prenhes de histórias. Impedindo que esvoacem, se espalhem livres.


Livres como o nosso espírito e encantamento, quando deleitosamente aconchegamos um livro na mão.



 

 

José Paulo Pinto Lobo

 


 

Cascais, 4 de Julho 2021



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