sexta-feira, 27 de agosto de 2021

"As asas do pensamento" - José Paulo Pinto Lobo


 


As asas do pensamento

 

 



 

O gato preto empoleirado no parapeito da janela do apartamento fronteiro.



Eu, debruçado na janela da minha cozinha. Como habitualmente, nas madrugadas modorrentas.




Convida-me a mais uma conversa.



 

«Então, com insónias novamente?»



«Não, estou a beber a paz da alameda e a deixar voar os pensamentos.»




 

«Deve ser interessante voar. E como são as asas do pensamento?»



«São asas fortes. Levam-nos a qualquer lugar, no tempo e no espaço. Fazem-nos viajar para bem longe.».




 

«Sim, mas que forma e cor têm?»




 

«Podem ser de vários tamanhos, feitos e cores. Até diáfanas, absolutamente transparentes. Asas enormes como as do condor que planam lá bem no alto acima de qualquer ser vivente ou pequenas como as do colibri, batendo tão rapidamente que mal se podem ver.»



 

«Umas vezes negras como as dos corvos ou cinzentas como as da coruja-lapónica. Noutras multicolores como as dos papagaios do Amazonas, dos periquitos arco-íris da Austrália ou a cauda aberta dos pavões.»



 

«Mas afinal não és tu que escolhes as asas dos teus pensamentos?»



 

«Não, são eles que escolhem por mim e me fazem viajar por nuvens carregadas, trovões e tempestades, negrume das trevas, montanhas brancas, prados verdejantes, praias douradas iluminadas pelo sol ou simplesmente me levam a vogar no infindável céu azul.»



 

«E não tens medo de cair das alturas?»



 

«Sim, claro! Quando inopinadamente aparece um caçador chamado realidade.



Mas mesmo com as asas feridas, elas rapidamente se curam e podemos novamente esvoaçar, pairar, pousar onde quisermos.»


 

«Gostei. Ensinas-me a voar?»




 

 

José Paulo Pinto Lobo





Cascais, 24 de Agosto 2021






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