"Queixa das almas jovens censuradas" - Natália Correia
Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos
um lírio e um canivete
e
uma alma para ir à escola
mais
um letreiro que promete
raízes,
hastes e corola.
Dão-nos
um mapa imaginário
que
tem a forma de uma cidade
mais
um relógio e um calendário
onde
não vem a nossa idade.
Dão-nos
a honra de manequim
para
dar corda à nossa ausência.
Dão-nos
um prémio de ser assim
sem
pecado e sem inocência.
Dão-nos
um barco e um chapéu
para
tirarmos o retrato.
Dão-nos
bilhetes para o céu
levado
à cena num teatro.
Penteiam-nos
os crânios ermos
com
as cabeleiras das avós
para
jamais nos parecermos
connosco
quando estamos sós.
Dão-nos
um bolo que é a história
da
nossa história sem enredo
e
não nos soa na memória
outra
palavra que o medo.
Temos
fantasmas tão educados
que
adormecemos no seu ombro
somos
vazios despovoados
de
personagens de assombro.
Dão-nos
a capa do evangelho
e
um pacote de tabaco.
Dão-nos
um pente e um espelho
pra
pentearmos um macaco.
Dão-nos
um cravo preso à cabeça
e
uma cabeça presa à cintura
para
que o corpo não pareça
a
forma da alma que o procura.
Dão-nos
um esquife feito de ferro
com
embutidos de diamante
para
organizar já o enterro
do
nosso corpo mais adiante.
Dão-nos
um nome e um jornal,
um
avião e um violino.
Mas
não nos dão o animal
que
espeta os cornos no destino.
Dão-nos
marujos de papelão
com
carimbo no passaporte.
Por
isso a nossa dimensão
não
é a vida. Nem é a morte.
Natália
Correia
Para ler o Prefácio da 2ª edição do livro “CULTURA ACÚSTICA E LETRAMENTO EM MOÇAMBIQUE: Em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural” do autor do blog clique aqui
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