quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

(Ventos de Palestina) Antideuteronomi I - Adão Cruz


 


(Ventos de Palestina)

Antideuteronomio I

 




A cidade está deserta por dentro e por fora de nós.


Começa a não haver vivalma neste lusco-fusco brumoso


neste irracional azul de um céu de chumbo


nesta descrença de manhãs de sonho


em bicéfalas e bárbaras bandeiras de um


mundo informe e medonho.


Seguir em frente no deserto do fim do dia


dilatar a esperança até que raie a claridade


no ventre da manhã de fogo e sangue


entrar na vereda enlameada e fria


dos homens de aço sem perfil e sem destino


virar na esquina sem luz da esperança perdida


no contrassenso divino…


ou voltar para lugar algum.


Como seria bom continuar eternamente


o caminho que nascendo dentro de nós


em fio de regato cristalino


se perde ingloriamente à flor da pele.


Assim que for dia


se dia chegar a ser nesta aparência de paisagem


não podemos deixar que a nuvem negra sombria


e a negra miragem


venham toldar a aurora da razão


e semear ruínas no coração apodrecido das nações


e no cérebro corrompido por obscenas falas


armas e cifrões


de imperiais e acéfalos patrões.


Se libertarmos da nuvem negra


a aurora da nossa interrogação


se impedirmos a negra nuvem


de apagar a luz da inquietação


na incontornável unidade do pensamento e da razão


o poema incendiará as asas do vento


e queimará as garras dos abutres


devolvendo à humanidade algum alento.


A terra engolirá os exércitos genocidas


que à sombra da nuvem negra


de deuteronómicos evangelhos


a ferro e fogo se empanturram de vidas


e se embebedam de sangue


para glória do Senhor dos Exércitos…


e jamais haverá Deuteronómio que resista


por mais petróleo que na terra exista.



 

Adão Cruz


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