"Curvo-me" - José Luís Tavares
Curvo-me
Curvo-me ao obstinado peso das
raízes.
Mais alto se erguem os morosos frutos
da inquietude. Por todo o meu corpo
animais em deserção, bélicos
murmúrios,
impendentes murmúrios, desdenhada
fortuna.
Não sei de barcos, não sei de pontes,
Para outro tão melodioso território.
Afeiçoados ficaram os olhos ao
sonhado
verde dos campos. Derrotados sob o
adivinhado zelo do sol por quantos
dias
a ilha estremece ao terror da sede
e da ruína.
Deram-lhe navegadores nome de santo,
quando à vista das angras lágrimas
e gritos se confundiram. E na hora
terreal,
feito o sinal da cruz, divisa de quem
por tão longes terra os mandara
navegar,
um destino de penumbra ali se traçou.
E ficamos náufragos, irmãos dos
chibos,
pela ocidental terra que o dia já
desnuda.
Pelos sinos da matriz avisando da
inexorável
aproximação dos corsários (um tempo
de rapina subjaz ainda na memória
desses
anos) eu vos saúdo, velho cadamosto,
diogo gomes, antónio da noli; eu vos
saúdo
desde esses picos de sede de onde a
noite
mais veloz se confunde com os
desfraldados
estandartes da alegria.
José Luís Tavares
(Poeta cabo-verdiano)
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