quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

"Curvo-me" - José Luís Tavares

 


Curvo-me

 




Curvo-me ao obstinado peso das raízes.


Mais alto se erguem os morosos frutos


da inquietude. Por todo o meu corpo


animais em deserção, bélicos murmúrios,


impendentes murmúrios, desdenhada fortuna.



 

Não sei de barcos, não sei de pontes,


Para outro tão melodioso território.


Afeiçoados ficaram os olhos ao sonhado


verde dos campos. Derrotados sob o


adivinhado zelo do sol por quantos dias


a ilha estremece ao terror da sede


e da ruína.



 

Deram-lhe navegadores nome de santo,


quando à vista das angras lágrimas


e gritos se confundiram. E na hora terreal,


feito o sinal da cruz, divisa de quem


por tão longes terra os mandara navegar,


um destino de penumbra ali se traçou.



 

E ficamos náufragos, irmãos dos chibos,


pela ocidental terra que o dia já desnuda.


Pelos sinos da matriz avisando da inexorável


aproximação dos corsários (um tempo


de rapina subjaz ainda na memória desses


anos) eu vos saúdo, velho cadamosto,


diogo gomes, antónio da noli; eu vos saúdo


desde esses picos de sede de onde a noite


mais veloz se confunde com os desfraldados


estandartes da alegria.



 

José Luís Tavares


 

(Poeta cabo-verdiano)


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