"Quadro branco" - Paul Laverty
Quadro branco
Você já parou para pensar nela desde que saiu da escola?
O giz é macio,
feito de pedaços
de conchas de calcita e esqueletos de plâncton.
Fácil de esmagar.
A chuva a arrasta.
As lágrimas a arrastarão para baixo?
As crianças são moles,
são feitas de ossos (proteínas, colágeno, minerais, principalmente cálcio).
Fácil de esmagar.
Gaza é uma bola de neve,
o Mundo contempla o seu interior.
Os flocos são estilhaços,
os pontinhos dentro deles
se acumulam formando aglomerados,
como formigueiros.
Você sente cólica na boca do estômago
pela manhã quando liga a tela
e os números disparam?
Você vai para a cama e não dorme
porque tudo que você vê na escuridão
são membros retorcidos sob os escombros,
lábios secos e rachados que exalam gemidos abafados,
uma morte lenta que você não desejaria para um cachorro?
Você sente a raiva que sacode seu corpo,
grita sua alma,
ferve seu cérebro a uma temperatura mais alta
do que as armas de fósforo que os EUA fabricam
(lembre-se dos 172 bilhões do Tio Sam
que deram vida ao Apartheid)
quando Biden, Sunak, Starmer e companhia
perguntam por “mais precisão”
ao lançar bombas destruidoras de bunkers em Gaza,
com 6.300 almas por quilómetro quadrado,
47% crianças?
As crianças são moles.
Fácil de esmagar.
Cinzas em cinzas, pó em pó.
Você se senta na cozinha
e se pergunta quem você é,
o que fazer,
quando a Carta das Nações Unidas e a Convenção de Genebra
são usadas para limpar o traseiro
dos insidiosos cúmplices da Morte
que defecam com dignidade?
O buraco negro à beira do desespero
esgota sua força e o leva a se esconder?
“E de que adianta
isso para nós”,
ouvem-se as crianças de Gaza censurando.
Você se lembra da infância.
Você pega um pedaço de giz.
Simples, físico.
Não é digital, não é um tweet,
não é um blog.
Carne contra giz.
Cabe no bolso, cabe na meia,
na bolsa,
você leva por aí.
O giz, aí...
Você sente seu corpo e mente se conectarem
ao segurá-lo na mão.
O que essa brisa está carregando?
Um leve estrondo emergindo dos escombros.
O que nos diriam as crianças de Gaza
se tivessem aquele giz?
Faça da nossa rua um quadro negro,
escreva no ponto de ônibus, na calçada, na parede.
Na cafeteria do trabalho, ou no banheiro,
no estacionamento ou no shopping.
Rua por rua,
de baixo para cima,
da cidade à escravidão da Cidade,
que os gritos de raiva das crianças de Gaza
passem por todos.
Um pedaço de giz
em centenas de línguas,
milhões de mãos
levantadas contra as suas mentiras e as suas bombas,
um rasto branco de consciência,
“Não, não em nosso nome!”,
para derrubar os assassinos.
Um dia, Infanticídios, você se sentará no banco.
Você se lembra das caretas arrogantes dos generais torturadores argentinos
em todo o seu esplendor?
Eles acabaram atrás das grades, finalmente.
Leva tempo, o Relógio da Justiça,
mas avança à medida que seus cabelos grisalhos crescem.
Não falha,
no teu leito de morte, no teu último suspiro,
não escaparás ao olhar das crianças de Gaza
cuja infância traíste.
Cinzas em cinzas, pó em giz.
Quadro branco.
Paul Laverty*
*Paul Laverty (Calcutá,
1957) é um advogado e roteirista escocês, colaborador ainda não nascido
de Ken Loach, com quem ganhou duas Palmas de
Ouro.
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