domingo, 1 de maio de 2022

"Muitas vozes" - Ferreira Gullar

 




Muitas vozes

 

 

 

 



Meu poema


é um tumulto:


a fala


que nele fala


outras vozes


arrasta em alarido.




estamos todos nós


cheios de vozes


que o mais das vezes


mal cabem em nossa voz




se dizes pera


acende-se um clarão


um rastilho


de tardes e açucares


ou


se azul disseres


pode ser que se agite


o Egeu


em tuas glândulas




A água que ouviste


num soneto de Rilke


os ínfimos


rumores no capim


o sabor


do hortelã


essa alegria




A boca fria


da moça


o maruim na poça


a hemorragia da manhã




Tudo isso em ti


se deposita


e cala.


Até que de repente


um susto


ou uma ventania


(que o poema dispara)


chama


esses fosseis à fala.




Meu poema


é um tumulto, um alarido:


basta apurar o ouvido.



 

 

 

 

 

Ferreira Gullar


0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP