segunda-feira, 30 de maio de 2022

"O Poema Pouco Original do Medo" - Alexandre O'Neill


 


O Poema Pouco Original do Medo

 

 

 

 

 



O medo vai ter tudo


pernas


ambulâncias


e o luxo blindado


de alguns automóveis



Vai ter olhos onde ninguém os veja


mãozinhas cautelosas


enredos quase inocentes


ouvidos não só nas paredes


mas também no chão


no teto


no murmúrio dos esgotos


e talvez até (cautela!)


ouvidos nos teus ouvidos



O medo vai ter tudo


fantasmas na ópera


sessões contínuas de espiritismo


milagres


cortejos


frases corajosas


meninas exemplares


seguras casas de penhor


maliciosas casas de passe


conferências várias


congressos muitos


poemas originais


e poemas como este


projetos altamente porcos


heróis


(o medo vai ter heróis!)


costureiras reais e irreais


operários


     (assim assim)


escriturários


     (muitos)


intelectuais


     (o que se sabe)


a tua voz talvez


talvez a minha


com certeza a deles



Vai ter capitais


países


suspeitas como toda a gente


muitíssimos amigos


beijos


namorados esverdeados


amantes silenciosos


ardentes


e angustiados



Ah o medo vai ter tudo


tudo



(Penso no que o medo vai ter


e tenho medo


que é justamente


o que o medo quer)



O medo vai ter tudo


quase tudo


e cada um por seu caminho


havemos todos de chegar


quase todos


a ratos


Sim


a ratos

 

 

 

 



Alexandre O’Neill


0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP