segunda-feira, 23 de maio de 2022

"Os amantes com casa" - Joaquim Pessoa

 




Os amantes com casa

 

 

 

 

 

 

 



Andavam pela casa amando-se


no chão e contra as paredes.


Respiravam exaustos como se tivessem


nascido da terra


de dentro das sementeiras.


Beijavam-se magoados


até se magoarem mais.


Um no outro eram prisioneiros um do outro


e livres libertavam-se


para a vida e para o amor.


Vivendo a própria morte


voltavam a andar pela casa amando-se


no chão e contra as paredes.


Então era a música, como se


cada corpo atravessasse o outro corpo


e recebesse dele nova presença, agora


serena e mais pobre mas avidamente rica


por essa pobreza.


A nudez corria-lhes pelas mãos


e chegava aonde tudo é branco e firme.


Aquele fogo de carne


era a carne do amor,


era o fogo do amor,


o fogo de arder amando-se e por toda a casa,


contra as paredes, no chão.


Se mais não pressentissem bastaria


aquela linguagem de falar tocando-se


como dormem as aves.


E os olhos gastos


por amor de olhar,


por olhar o amor.


E no chão


contra as paredes se amaram e


pela casa andavam como


se dentro das sementeiras respirassem.


Prisioneiros libertados, um


no outro eram livres


e para a vida e para o amor se beijaram


magoando-se mais, até ficarem magoados.


E uma presença rica,


agora nova e mais serena,


avidamente recebeu a música que atravessou de


um corpo a outro corpo


chegando às mãos


onde toda a nudez é branca e firme.


Com uma carne de fogo,


incarnando o amor,


incarnando o fogo,


contra o chão das paredes se amaram


pressentindo que


andando pela casa bastaria tocarem-se


para ficarem dormindo


como acordam as aves.

 

 

 

 

 

 

 



Joaquim Pessoa


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