domingo, 15 de maio de 2022

"Hiroshima" - Adão Cruz


 


Hiroshima

 

 

 

 

 

 



Nos limites da razão


onde os homens produzem monstros


todos nos sentimos escombros


do maior terrorismo da História humana.


Nasceu a manhã mais cruel da mais inocente madrugada


a manhã mais negra do que a noite do absurdo.


O inferno rasgou o sol e a lua


os rostos e os braços


arrancou as árvores


secou os rios e as fontes


enchendo a cidade de sangue e corpos em pedaços.


Um mar de gente… no corpo nu da solidão


gente só…no ventre da multidão


olhos vidrados de lágrimas e pânico


correndo… fugindo…


para onde… para o nada…


para o abismo da escuridão


sobre restos de sonhos e pedaços de vida


espalhados pelo chão


onde a dor fincou as garras


abafando os gritos em catedrais de cinzas.


O fim de tudo entrou pelas portas e janelas


e comeu tudo…


comeu as casas que caíram


as mãos que deixaram de brincar


comeu os olhos que deixaram de olhar


e as bocas que deixaram de respirar.


Tudo era dentro e tudo era fora


na amplidão do desespero


não havia mães nem filhos nas entranhas da aflição


não havia rumo nem caminho


no deserto infindo da maldição.


Tudo se fez pó


não ficou pedra sobre pedra


e nem pedras havia no chão


já o chão não era chão


mas o fundo abismo de uma cratera


onde tudo era estendal de morte


sem porta de entrada sem porta de saída


sem tempo sem norte sem vida


sem ruas sem movimento


sem fímbria de céu ou de mar.


O nada entrou no coração


que deixou de bater no peito de muitos mil


ao peso de cinquenta quilos de urânio


e toneladas de glória americana


erguendo até ao cume da barbárie


a bandeira mais cruel da natureza humana.


Uma fria luz de prata atravessou o mundo


perfurou a mente e as ideias


em seco lamento de gemido sem remédio


como latido de cão atirado ao vento.


E o mundo dormiu suavemente…


e ainda hoje não acordou.


Entre milhares de bombas e estrondosos hinos


o mundo de olhos cegos e ouvidos moucos


ainda dorme…


nada mais ouvindo que o silêncio dos assassinos.

 

 



 

 

 

Adão Cruz


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