quarta-feira, 17 de março de 2021

"Já não entendo este mundo " - Adão Cruz

 




Já não entendo este mundo

 

 


Não entendo este mundo moribundo


este mundo escuro


nascido sem sol e sem luar


já não entendo esta onda de sismos e cifrões


esta dor de milhões de cabeças rolando como esferas


para o fundo dos abismos.


Não entendo este mundo dilacerado e sem vida


já não aguento este frio de quatro paredes


este jogo no vazio cemitério da história


este profundo alarido


este diabólico mistério de morte concebido


esta vida sem sentido a que chama mercado


e “democracia”


a argentária escória.


Não entendo este mundo de olhos vendados


com barras de ferro


este silêncio absorto e abstrato


no assalto impune a soberanas nações


este mundo de vidas e almas sem direitos nem justiça


este mar de sangue escorrendo


pelas garras dos algozes


este rasgar de corações


este martírio dolorosamente tatuado na pele dos inocentes


por tanques e aviões


este mundo ameaçado por mísseis e canhões.


já não entendo tantas metástases


deste cancro da guerra


este perigo sistémico diariamente arquitetado


esta inelutável evolução para a desordem suprema.


Já não sou capaz de aguentar


o peso do crime chamado superlucro


brilhando como a luz do inferno na ponta dos punhais.


Não entendo este mundo


escorraçado para as bermas da fome


por esta infame corrida para um podium inglório


por entre as malhas da ganância enlouquecida


neste imparável caminho do caos e da fatalidade


na ensanguentada bandeira erguida para o nada


no constante apunhalar da liberdade.


Já não entendo este mundo apodrecido


na secura do grande rio da esperança.


Já não acredito no sonho do poeta


quando subiu a colina


para admirar o céu povoado de estrelas.


 

 

Adão Cruz


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