domingo, 21 de março de 2021

DIA MUNDIAL DA POESIA - 21 de março

 







Ser poeta

 


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior


Do que os homens! Morder como quem beija!


É ser mendigo e dar como quem seja


Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!




É ter de mil desejos o esplendor


E não saber sequer que se deseja!


É ter cá dentro um astro que flameja,


É ter garras e asas de condor!




É ter fome, é ter sede de Infinito!


Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...


É condensar o mundo num só grito!




E é amar-te, assim, perdidamente...


É seres alma, e sangue, e vida em mim


E dizê-lo cantando a toda a gente!



 

Florbela Espanca











Mensagem à Poesia

 



Não posso


Não é possível


Digam-lhe que é totalmente impossível


Agora não pode ser


É impossível


Não posso.


Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.



Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar


Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.


Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo


E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo


A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo


Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe


Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida


Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos


Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.


Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem… – que se não vou


Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere


Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.


Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus


Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem


Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens


E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto


Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento


Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada


A terrível participação, e que possivelmente


Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias


Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.


Se ela não compreender, oh procurem convencê-la


Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe


Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me


Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado


Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento


Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado


Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada


Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há


Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem


Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia


Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande


Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações


Há fantasmas que me visitam de noite


E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza


No amanhã


Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite


Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso


Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora


Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde


De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável


Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale


Por um momento, que não me chame


Porque não posso ir


Não posso ir


Não posso.



Mas não a traí. Em meu coração


Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa


Envergonhá-la. A minha ausência.


É também um sortilégio


Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la


Num mundo em paz. Minha paixão de homem


Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha


Loucura resta comigo. Talvez eu deva


Morrer sem vê-la mais, sem sentir mais


O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr


Livre e nua nas praias e nos céus


E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse


O meu martírio; que às vezes


Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas


Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva


Mas que eu devo resistir, que é preciso…


Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência


Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática


Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela


Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo


A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante


A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa


Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho


A quem foi dado se perder de amor pelo direito


De todos terem um pequena casa, um jardim de frente


E uma menininha de vermelho; e se perdendo


Ser-lhe doce perder-se…


Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível


Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame


Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora


É mais forte do que eu, não posso ir


Não é possível


Me é totalmente impossível


Não pode ser não


É impossível


Não posso.



 

Vinicius de Moraes






0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP