quinta-feira, 18 de março de 2021

"Há-de flutuar uma cidade"- Al Berto

 




Há-de flutuar uma cidade

 




há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida


pensava eu... como seriam felizes as mulheres


à beira mar debruçadas para a luz caiada


remendando o pano das velas espiando o mar


e a longitude do amor embarcado



 

por vezes


uma gaivota pousava nas águas


outras era o sol que cegava


e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite


os dias lentíssimos... sem ninguém



 

e nunca me disseram o nome daquele oceano


esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas


punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua


assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar


se espantasse com a minha solidão



 

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração.


mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)



 

um dia houve


que nunca mais avistei cidades crepusculares


e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta


inclino-me de novo para o pano deste século


recomeço a bordar ou a dormir


tanto faz


sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

 

 


 

Al Berto


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