terça-feira, 3 de novembro de 2020

"Poesia matemática" - Millôr Fernandes

 





Poesia matemática

 


Às folhas tantas


Do livro matemático


Um Quociente apaixonou-se


Um dia


Doidamente


Por uma Incógnita.


Olhou-a com seu olhar inumerável


E viu-a, do Ápice à Base,


Uma Figura Ímpar;


Olhos romboides, boca trapezoide,


Corpo otogonal, seios esferoides.


Fez da sua


Uma vida


Paralela à dela


Até que se encontraram


No Infinito.


“Quem és tu?” indagou ele


Com ânsia radical.
“Eu sou a soma do quadrado dos catetos.


Mas pode me chamar de Hipotenusa.”


E de falarem descobriram que eram


— O que, em aritmética, corresponde


A almas irmãs —


Primos-entre-si.


E assim se amaram


Ao quadrado da velocidade da luz


Numa sexta potenciação


Traçando


Ao sabor do momento


E da paixão


Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais


nos jardins da Quarta Dimensão.


Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas


E os exegetas do Universo Finito.


Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.


E, enfim, resolveram se casar


Constituir um lar


Mais que um lar,


Uma Perpendicular.


Convidaram para padrinhos


O Poliedro e a Bissetriz.


E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro


Sonhando com uma felicidade


Integral


E diferencial.


E se casaram e tiveram uma secante e três cones


Muito engraçadinhos.


E foram felizes


Até aquele dia


Em que tudo, afinal,


Vira monotonia.


Foi então que surgiu


O Máximo Divisor Comum


Frequentador de Círculos Concêntricos


Viciosos.


Ofereceu-lhe, a ela,


Uma Grandeza Absoluta.


E reduziu-a a um Denominador Comum.


Ele, Quociente, percebeu


Que com ela não formava mais Um Todo,


Uma Unidade. Era o Triângulo,


Tanto chamado amoroso.


Desse problema ela era a fração


Mais ordinária.


Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade


E tudo que era espúrio passou a ser


Moralidade


Como, aliás, em qualquer


Sociedade.



 

Millôr Fernandes


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