domingo, 29 de novembro de 2020

"Coração Polar" - Manuel Alegre


 



Coração Polar

 



Não sei de que cor são os navios


quando naufragam no meio dos teus braços


sei que há um corpo nunca encontrado algures


e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial


a tua promessa nos mastros de todos os veleiros


a ilha perfumada das tuas pernas


o teu ventre de conchas e corais


a gruta onde me esperas


com teus lábios de espuma e de salsugem


os teus naufrágios


e a grande equação do vento e da viagem


onde o acaso floresce com seus espelhos


seus indícios de rosa e descoberta.



Não sei de que cor é essa linha


onde se cruza a lua e a mastreação


mas sei que em cada rua há uma esquina


uma abertura entre a rotina e a maravilha


há uma hora de fogo para o azul


a hora em que te encontro e não te encontro


há um ângulo ao contrário


uma geometria mágica onde tudo pode ser possível


há um mar imaginário aberto em cada página


não me venham dizer que nunca mais


as rotas nascem do desejo


e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos


quero o teu nome escrito nas marés


nesta cidade onde no sítio mais absurdo


num sentido proibido ou num semáforo


todos os poentes me dizem quem tu és.



 

Manuel Alegre


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