O terrorista é você - Vladimir Safatle
O
terrorista é você
A
privacidade foi, entre outras coisas, uma invenção política ligada à defesa da
autonomia dos sujeitos em relação ao poder governamental. Mas, como diz o
governo norte-americano, "Todo mundo espiona". O que vimos, no
entanto, não foi "espionagem" como a conhecemos, ou seja, essa
procura de informações estratégicas sobre a vida política e econômica por meio
do monitoramento das atividades de políticos, empresários e congêneres.
O
que Edward Snowden nos fez ver, e isso fica cada vez mais claro com o passar
dos dias e das descobertas, está para além da espionagem. O ato de monitorar
toda e qualquer pessoa em toda e qualquer circunstância é, na verdade, um novo
paradigma de governo.
Para
controlar pessoas, não preciso estar atento a todos os seus movimentos.
Necessito apenas que elas acreditem que, a qualquer momento, posso entrar em
seu espaço privado, abrir a porta de seu quarto e quebrar todos os cadeados.
Posso armazenar 70 milhões de telefonemas em um mês e nunca saber o que fazer
com tudo isso. Não importa. O que importa é você saber que seu telefonema pode,
Deus sabe lá por que, acabar no espaço público.
No
fundo, isso mostra como a caça ao terrorismo sempre foi um pretexto fraco e uma
manobra diversionista. Na verdade, o terrorista é você. O verdadeiro alvo era
controlar você, dissolver os discursos que ainda faziam da privacidade uma
defesa e fazer você sentir a desproporção brutal entre seu poder e o poder da
plutocracia que tomou de assalto boa parte dos governos ocidentais.
Como
mostrou a França quando criou um grande banco de dados de segurança nacional
chamado Hadopi, começa-se fichando pretensos terroristas e termina-se fichando
sindicalistas, manifestantes, jornalistas e ativistas.
Nesse
sentido, a melhor defesa é proibir que governos tenham direito a armazenar
informações sigilosas de seus cidadãos. Todos os cidadãos devem ter o direito a
ter acesso a todas as informações armazenadas sobre eles que estejam em posse
dos governos.
As
dificuldades produzidas em processos jurídicos por uma ideia dessa natureza são
infinitamente menores que a corrosão --produzida pela transformação das vidas
privadas em espaços de extrema vulnerabilidade-- do pouco que tínhamos de
democracia.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2013/11/1366826-o-terrorista-e-voce.shtml
(05/11/2013)
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