Os compromissos do governo Lula
Luis Felipe Miguel: A estratégia de Guilherme Boulos
Revista Leitura: Teoria & Prática, v. 41, n. 89 (2023)
Manuel Domingos Neto: Lula e o obscurantismo
Jamil Chade - Carta a Lula: decretar silêncio sobre golpe de 64 não resolverá nosso futuro
Sr. presidente, No próximo dia 31, serão completados 60 anos do golpe militar que
jogou o país numa longa noite escura. Os documentos não deixam mais dúvidas
sobre os crimes cometidos, os abusos e os sonhos enterrados. Recentemente, porém, o senhor disse que não queria mexer com o passado
e, agora, determinou um silêncio do governo durante a data. Confesso que fiquei perplexo com sua decisão. Sei que existem as considerações de governabilidade, de diálogo e de
pacificação. Sei que o senhor herdou uma democracia que estava sendo
desmontada. Também sei de sua preocupação e prioridade em dar respostas aos
envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Mas a história mostra que
sempre que se tenta colocar uma pedra sobre um crime, seus monstros voltam.
Sempre. Basta olhar para as revelações contidas nos depoimentos publicados na
última sexta-feira para ver que que existia um plano e uma intenção muito
concreta de um grupo no poder de decretar um estado de sítio. Falar de 1964,
porém, não significa tirar o foco de 8 de janeiro. Muito pelo contrário. Teriam os atuais golpistas tido a audácia de planejar uma ruptura
democrática se a geração dos militares de 1964 tivesse sido devidamente
julgada pelos crimes que cometeram? Teriam eles ido tão longe se houvesse, na opinião pública, um sólido
entendimento sobre o que significa uma ditadura? Marcar os 60 anos de uma ruptura democrática, portanto, não se trata
de falar do passado. Mas lidar com nosso presente e construir o futuro. É
parte de um processo de educação e de insurreição das consciências. Exemplos em diferentes continentes, religiões e culturas demonstram
que aqueles que optaram por confrontar a história e seus crimes construíram
bases de uma sociedade democrática. Na Alemanha, a desnazificação ocorre
todos os dias. Até hoje. Lidar com esse passado teria ainda um impacto que iria muito além do
espaço dos militares na sociedade brasileira. A defesa da democracia fortaleceria pautas como o combate ao racismo,
a luta pelo direito das minorias ou pela defesa da posição das mulheres na
condução do país. Todos eles exigem um compromisso que foge muitas vezes da
lógica partidária e da barganha política. Fingir que a data do 31 de março não existe simplesmente não condiz
com a realidade. De fato, o 31
de março de 1964 existe em cada vidraça rompida nos prédios em Brasília no
dia 8 de janeiro de 2023. Fingir que a data do 31 de março não existe mandará uma mensagem
equivocada. Será um
silêncio ensurdecedor que ecoará como uma traição para as vítimas e suas
famílias. Mas também para muitos democratas que foram às urnas eleger teu
governo justamente contra o risco de que novos ditadores chegassem ao poder. Os 60 anos do golpe poderiam ser respondidos com democracia. Muita
democracia. Seria, por exemplo, uma data ideal para anunciar o restabelecimento da
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, para criar um grupo
interministerial para finalmente implementar as recomendações da Comissão da
Verdade. Ou então para retirar de pontes, ruas e estradas os nomes de
ditadores, para marchar ao lado das vítimas pela praça dos Três Poderes. Corremos sérios riscos quando a luta é substituída pelo silêncio, em
nome de uma suposta estabilidade. Basta ler os depoimentos das investigações sobre o 8 de janeiro e
sobre a tentativa de um golpe para entender que, quando não confrontados, os
monstros do passado sempre voltam. Sempre. Saudações democráticas, Jamil Chade Fonte: Aqui |
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