"Na Foz do Douro, frente à casa de Eugénio de Andrade" - Adão Cruz
Na Foz do Douro, frente à casa de Eugénio de
Andrade
Generoso abraço
verdade solitária!
O mar infindo onde colhes as palavras
e o pequeno gesto da areia fina
bulida dos pés das gaivotas.
Entra-me nos olhos o mar
como em ti.
Como tu
tenho os olhos inundados de mar
mas fogem-me as sílabas férteis
que ele te põe nos lábios e nos versos.
A vibração das palavras d’água
salva-me da paz sacrificial
das rochas eretas e firmes.
Quase me sinto futuro
aqui
a lembrar que o passado só existe
para enganar o presente.
Sinto-me bem
aqui
ao lado do possível e do impossível
na orla do silêncio das tuas palmeiras
saboreando o Sal da Língua
como fruto roubado
que me liberta da longa noite
acumulada na boca.
Arde em mim a luz de fogo
que abre o mar e o peito
quando o sol se derrama e vai dormir.
Aqui
eu sinto bem dentro dos sentidos
o esplendor da água fervente
e dos corpos entontecidos
que só podem amar-se no ventre do mar.
Um vento leve com cheiro a maçãs
acaricia-me a face
trazendo pela mão a paz da tarde
e quase me adormece.
Perdi a página já não sei onde ia
também o sol se foi e com ele o dia.
Bate agora a noite com estrondo
no casco frágil da solidão.
Penso que tudo se vai desmoronar
talvez morrer
mas
de novo retomados
teus versos dizem-me que não.
Adão Cruz
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