'Não estamos conseguindo contar os corpos'
Carta aos eleitores de Bolsonaro:
chegou a hora de fazer uma escolha
Senhoras
e senhores eleitores de Bolsonaro,
Escrevo
a vocês ciente que milhões de pessoas que votaram por Jair Bolsonaro desaprovam a ideia de um
regime autoritário. Sei também que jamais votarão num candidato de esquerda. E
isso não é um problema.
Mas
existem momentos na vida em que uma escolha se impõe. Entre as conclusões
preliminares que podemos tirar dos eventos de 8 de janeiro e conhecendo já
alguns dos bastidores de como a tentativa de golpe foi organizada, precisamos
ser claros: não há como ser eleitor ou apoiador de Jair Bolsonaro e democrata
ao mesmo tempo. É uma questão de coerência.
Ou
defende-se a democracia ou defende-se a invasão dos poderes. Ou defende-se o
conceito de direitos humanos ou defende-se a barbárie.
Eu
confesso que nunca vi compatibilidade entre a democracia e um movimento que
acolhe torturadores, que retira direitos de mulheres, que troca o livro pela
pistola, que faz apologia ao fascismo e à violência.
Mas
se vocês ainda precisavam de uma prova extra, o dia 8 de janeiro e seus
artífices eclodem como uma oportunidade para que o trem em direção ao
autoritarismo não conte com sua presença ou silêncio.
Entre
os tantos impactos do terremoto sentido na capital federal no começo do mês, um
deles deve ser a constatação de que é urgente a construção de uma direita
democrática.
Conservadores
capazes de respeitar as regras do jogo, de defender o estado de direito e suas
instituições. Uma direita humanista, capaz de ver que a desigualdade social, o racismo e a
xenofobia precisam ser superados. Uma direita que reconhece e busca soluções
para as mudanças climáticas. Uma direita que valorize a cultura, as artes e a
ciência.
Qualquer
sistema democrático precisa de uma direita consolidada. No poder ou na
oposição.
Não
é nada disso que vemos no movimento ao qual vocês deram seu voto no final do
ano passado e pelo qual alguns mantêm simpatia. Trata-se de uma força política
que sequestrou termos como a família, liberdade e Deus para justificar o ódio,
a violência e a intolerância.
O
mundo, como vocês devem saber, acompanhou os episódios no Brasil com uma
mistura de tristeza e choque. Apenas partidos e políticos herdeiros de
ditadores como Franco, Salazar ou Mussolini aplaudiram a tentativa de golpe.
Vamos
ser claros aqui: a ideologia que hoje alguns ainda apoiam só encontra respaldo
entre os descendentes do momento mais tenebroso do Ocidente. Querem mesmo ficar
ao lado desses personagens na história?
Tenho
visto como, de uma forma desesperada para justificar os ataques golpistas,
muitos se aprofundam numa realidade distópica, desenhada por desinformação e
manipulações.
Optam
por abandonar a coerência dos fatos para lutar pela preservação da coerência de
sua seita, por mais criminosa que seja.
Insisto:
não escrevo para pedir que façam o "L". Precisamos de uma polifonia
de vozes numa democracia. George Orwell já dizia que a real divisão que existe
não é entre conservadores e revolucionários. Mas entre autoritários e
libertários.
Não
há como defender a democracia e ser apoiador de Bolsonaro. A máscara caiu.
Saudações
democráticas.
Jamil
Chade
Fonte:
UOL, 21/01/2023
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