"Criança" - José Paulo Pinto Lobo
Criança
Ouço lá fora a algazarra das crianças
A chuva parou e o sol brilha por entre as esparsas nuvens
Assomo à janela faz frio
Observo as correrias e os guinchos de excitação dos
petizes
Brincam à apanhada na larga praceta pedonal
Em redor de um redondel onde pontificam uns arbustos mal
podados
E pirâmides clarabóias de vidro para iluminar garagens
subterrâneas
Veio-me à cabeça uma antiga lengalenga amarelecida pelo
tempo
“Brincando na serra enquanto o lobo não vem
qu’é qu’ o lobo ’tá fazer?”
Os lobos se passeiam ferozes uivando ao luar
Desafiam amedrontam demarcam território
Não apenas um mas uma alcateia inteira
Que inversamente se alimenta de Rómulo e Remo
Recordo as crianças que fomos
Quando olhámos embevecidos para o céu constelado
E estendíamos a mão para tocar nas estrelas
Aquelas luzinhas que brilhavam tão longe
Sonhando viajar no espaço sideral
Jovens trocámos os devaneios ingénuos de infância
Por outros mais terrenos de exaltação e solidariedade mas
ainda de ilusão
O tempo correu veloz e os sonhos se tornaram fugazes e
inatingíveis
Então descorçoados os guardamos em cerradas gavetas da
memória
Gargalhadas alegres ecoam pela alameda
Quem sabe se poderei mais tarde adormecer
Fazer o tempo e o espaço se dissolver
Transmutar-me na criança que fui
E simplesmente abrir as gavetas para libertar os sonhos
Deixando-os voar livremente
José Paulo Pinto Lobo
Cascais, 5 de Novembro 2021
Divulgando o mais recente livro do autor do blog Aqui
0 comentários:
Postar um comentário