segunda-feira, 2 de novembro de 2020

"Olhei-te nos olhos" - António Vilhena

 






Olhei-te nos olhos


 


estavam lá todas as paisagens que cresceram no silêncio, 


onde apenas sobrevivem os que se entregam pelo coração.


Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir.


Vi a púrpura nos lábios, tinta de muitos poemas, 


subtraída ao luar nesse imenso espelho de água,

 

onde se afogam as mágoas e as tormentas.


Vi o Adamastor sulcando a porta das especiarias, 


temor de naus e caravelas antes e depois de Calecute. 


Vi o Minotauro lançando-se sobre o linho indefeso das Vestais.

 

Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir. 


Vi a beleza num castiçal luminoso, cercado de sombras e de medos 


sob a mão indizível do mestre-de-cerimónias. 


Onde se abriam rosas, havia paredes brancas e barra azul 


para perpetuares as manhãs e o céu nos meus olhos. 


Vi o que chega tarde e nunca vai embora: a arte inquieta dos instantes, 


dividindo os dias e as noites numa cegueira cúmplice. 


Vi o que outros não viram antes e, talvez, os que hão-de vir. 



 

António Vilhena


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