domingo, 18 de outubro de 2020

"A poesia não vai à missa" - Eugénio de Andrade


 



A poesia não vai à missa




 

A poesia não vai à missa,


não obedece ao sino da paróquia,


prefere atiçar os seus cães


às pernas de deus e dos cobradores


de impostos.


Língua de fogo do não,


caminho estreito


e surdo da abdicação, a poesia


é uma espécie de animal


no escuro recusando a mão


que o chama.


Animal solitário, às vezes


irónico, às vezes amável,


quase sempre paciente e sem piedade.


A poesia adora


andar descalça nas areias do Verão.



 

Eugénio de Andrade



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